🦊 Conversar com pessoas novas
Nesta semana, tive outro episódio de amigdalite e passei a maior parte do tempo dormindo e sentindo dor. Digo outro porque convivo com amigdalite crônica desde criança e, por uma série de fatores, acabei nunca removendo as amígdalas.
Por conta disso, eu não pretendia escrever o texto da semana. Entretanto, conversando com um amigo, lembrei de uma história e fiquei com vontade de compartilhar.
Na época, eu morava em São Paulo e vi um evento no Facebook que me interessou: era a abertura de uma exposição artística sobre nu masculino. Olhei a lista de pessoas que confirmaram presença e encontrei pelo menos dez conhecidos, então achei que seria legal mesmo indo sozinho, pois certamente cruzaria com outras pessoas por lá e poderia socializar um pouco.
Por que não entrei em contato com as pessoas que confirmaram presença para combinar a noite? Porque eu geralmente sou essa pessoa que quer contato, mas de preferência que as outras pessoas tomem iniciativa.
Pois quando cheguei lá no evento, havia um monte de gente, mas ninguém que eu conhecia. Tudo bem, ainda é cedo, pensei comigo. Olhei os desenhos, os quadros, os grupos de pessoas, o bar, os garçons, o teto… O ambiente não era muito grande, então eu havia conferido tudo o que estava à mostra em vinte ou trinta minutos. Ainda ninguém que eu conhecia. Olhei ao redor, todas as pessoas estavam acompanhadas, algumas em duplas, outras participando de grupos maiores.
Respirei fundo e me senti pequeno.
Saí da galeria e fui para o metrô. Quando cheguei à estação, tive um momento de clareza: quando chegasse em casa, me sentiria um fracasso social.
OK, pausa para correção. Fracasso social não é sentimento, é uma narrativa/julgamento sobre uma situação, porém, infelizmente, ela tem poder de me estimular sentimentos de tristeza e frustração por não ter estabelecido uma conexão com nenhuma das pessoas na exposição.
Deixa eu tentar de novo: quando chegasse em casa, eu me sentiria frustrado comigo mesmo porque, apesar de querer conversar com seres humanos naquela noite, eu não havia tomado nenhuma atitude para fazer isso acontecer. Para completar, essa frustração seria agravada por uma série de ideias sobre como tenho dificuldades para sair, sobre como tenho poucos amigos, sobre como isso e aquilo.
Entretanto, naquela noite em particular, eu não estava disposto a entrar nessa espiral. Com isso em mente, propus um desafio a mim mesmo: conversar com uma pessoa. Só isso, uma pessoa, nenhum tema em particular, nenhuma duração mínima, apenas falar com alguém.
Voltei para a galeria tomado por uma renovada confiança em mim mesmo e… Paralisei de novo. Todos os humanos naquele ambiente estavam entretidos uns com os outros. Onde eu poderia entrar? Com quem poderia falar? Considerei ir embora, mas não queria fugir do meu próprio desafio.
Finalmente, vi um casal de rapazes conversando lado a lado, ambos com as costas apoiadas na parede. Sorrateiramente, me aproximei deles. Continuaram por ali, entretidos na própria conversa. Respirei fundo, juntei coragem e disse oi.
Na sequência do oi, também disse: estou aqui sozinho nessa exposição, não conheço ninguém, mas queria conversar com pessoas e me enturmar, então vi vocês aqui e resolvi dizer oi e perguntar se posso conversar com vocês. Nem sei se eles ouviram a coisa toda, mas foi um fluxo de expressão autêntica e pedido sincero do qual até hoje me orgulho.
No final da noite, saí pra jantar com um grupo grande de pessoas, amigos de amigos do casal com o qual conversei, ri um monte e voltei para casa feliz com o resultado – e ainda mais com o esforço que fiz.
Aquela noite me ensinou algo importante sobre a importância de criar ambientes acolhedores. Quando fui voluntário do CreativeMornings São Paulo (um evento de palestra com café da manhã voltado para a comunidade criativa), meu papel era o de quebrar o gelo entre pessoas desconhecidas. Sempre que eu via alguém sozinho, começava a conversar e em seguida encontrava outros seres humanos com os quais poderiam se conectar. Um gesto simples, mas poderoso.
Aqui em Tóquio, mês passado, fui a uma festa em um bar. Eu sabia que alguns amigos chegariam lá mais tarde – já havia confirmado com eles antes a respeito –, então estava seguro que eventualmente conseguiria conversar com pessoas. Entretanto, assim que cheguei, uma moça que conheci num piquenique me viu e veio me cumprimentar e me apresentar para os donos do bar. Dali em diante, segui conversando não só com eles, mas com mais e mais pessoas, sentindo-me pertencente àquele ambiente.
Em certo momento, percebi uma pessoa sentada sozinha. Do outro lado do bar se aproximou um outro humano e disse “oi, vi que você não está falando com ninguém, quer conversar?”. Fiquei tão feliz ao ver isso acontecendo, tão orgulhoso de estar em um ambiente com outras pessoas investidas em criar um espaço acolhedor para que conexões aconteçam.
Iniciei o texto dizendo que foi uma conversa com um amigo que me inspirou a compartilhar esses pensamentos. Ele me escreveu dizendo que havia visto uma dupla de pessoas que pareciam legais no trem e que gostaria de ter sido “mais como eu” e interagido com elas.
Achei isso engraçado porque quem me conhece geralmente estranha quando falo sobre minha dificuldade para iniciar novas conexões sociais, especialmente em ambientes onde não sei se as pessoas estão abertas ao contato. Seria lindo um mundo em que todas as pessoas fossem extrovertidas e confiantes, mas esse não é o mundo em que vivo hoje.
O que percebi, ao longo dos anos, é que alguns ambientes fazem com que seja mais fácil para mim, assim como para outras pessoas, explorar o complexo universo das interações sociais. O que esses ambientes têm em comum é uma tentativa intencional de reduzir barreiras para que as pessoas possam se conectar umas com as outras. Essas tentativas intencionais variam desde um ritual de apresentação (por exemplo, escrever seu nome numa etiqueta e responder a uma pergunta sobre si) até a presença de alguém especificamente designado para facilitar as primeiras conversas.
E, na falta dessa tentativa intencional por parte de quem organiza os espaços e eventos, celebro a existência de pessoas que tomam para si esse ato de cuidado. Incluo a mim mesmo nesse grupo, nas ocasiões em que consigo fazer isso.
Com carinho,
Tales