Todo grupo tem pelo menos uma pessoa que convida, e quando essa pessoa, por qualquer que seja a razão, deixa de fazer convites, se ninguém assumir seu lugar, o grupo tende a dissolver. Acontece entre amigos, quando alguém se muda para outra cidade e de repente as pessoas que se encontravam todas as semanas simplesmente passam meses sem se ver. Acontece também em grupos de trabalho e estudo, quando a responsabilidade por organizar os encontros de repente se distribui entre várias pessoas.
Neste texto, vou me referir à pessoa que convida como a anfitriã e contar algumas histórias para demonstrar por que considero importante que alguém exerça esse papel.
Certo dia, estava conversando com Robert, um homem que organiza encontros semanais de jogos de tabuleiro aqui em Tóquio. Ele mantém esses encontros pelo menos uma vez por semana há cerca de oito anos, tendo faltado em apenas duas ocasiões dentro desse período (uma delas foi o nascimento de sua filha). Estávamos falando sobre como cada encontro reunia algo entre 20 e 40 pessoas em uma atmosfera amistosa.
Robert então me disse algo sobre o que fiquei pensativo: “Tem pessoas que eu conheço há oito anos, que encontro quase todas as semanas, mas não sei nada da vida pessoal delas. Eu sei os jogos que elas gostam, que tipo de jogadoras elas são, mas não sei se têm parceiros, filhos, com o que trabalham etc. E está tudo bem porque esse é o relacionamento que nós temos”.
Robert reúne pessoas para jogarem juntas. A comunidade que ele estabeleceu não é uma comunidade de amigos – o que não quer dizer que amigos não possam surgir como resultado desses encontros. Pelo que observei, pessoas se tornam amigas e saem juntas para além dos encontros semanais mesmo que esse não seja o objetivo.
Essa ideia de buscar e reunir pessoas em vez de amigos fez sentido apenas recentemente, quando li o texto How to build a village, de Rosie Spinks.
Em certo ponto do texto, ela diz:
Cada pessoa com quem eu faço um esforço para conhecer não precisa preencher todos os requisitos de amizade dos meus vinte anos: emprego legal, bom estilo, ouve os mesmos podcasts, compartilha as mesmas opiniões políticas, etc. Eu já tenho esses amigos. Está tudo bem se a única coisa que tenho em comum com uma nova pessoa for a proximidade de onde moramos, a idade dos nossos filhos e o fato de que nenhum de nós trabalha às sextas-feiras. Estou procurando pessoas, não amigos. Se elas se tornarem amigos, ótimo.
(Tradução de: Every person I make an effort to get to know doesn’t have to tick every friendship box of my twenties: cool job, nice style, listens to the same podcasts, shares the same politics etc. I already have those friends. It’s okay if the only thing I have in common with a new person is the proximity of where we live, and the age of our child, and the fact that we both don’t work on Fridays. I’m looking for people, not friends. If they turn into the latter, then great.)
No texto, Rosie fala sobre ser a pessoa que convida, além de outras dicas preciosas para sustentar esse lugar de anfitriã. Ela propõe construirmos nossa própria vila, encontrarmos as pessoas que farão parte da nossa vida.
Em 2014, criei o Ninho de Escritores, um projeto cuja missão era oferecer um espaço de prática que fosse acolhedor e inspirador para quem quer escrever. Eu criei o Ninho porque não encontrei um lugar para mim em outros cursos e grupos que reuniam pessoas escreventes.
Ao longo do tempo, fui saindo da posição de “professor” e habitando mais uma posição de anfitrião, sustentando um tempo e espaço para que os encontros acontecessem.
Quando mudei para o Japão pela primeira vez, eu vinha mantendo encontros semanais no Ninho. Por causa da mudança de fuso horário e das minhas prioridades, informei ao grupo que não continuaria realizando os encontros, mas os incentivei a seguirem em frente. Após um mês, o grupo deixou de se encontrar.
Nos anos antes da pandemia, os encontros do Ninho eram presenciais em São Paulo. O grupo de participantes queria se reunir mais do que apenas uma vez por semana, mas eu não queria a responsabilidade de coordenar esses encontros. Eles então criaram um grupo paralelo para se reunir aos finais de semana a fim de escreverem juntos. Esse grupo funcionava de uma maneira simples: quando algum deles queria companhia para escrever, chamava os outros e aí marcavam uma data.
Eventualmente passei a participar de alguns encontros, e hoje esse se tornou um círculo de pessoas queridas que se encontram de vez em quando porque se gostam.
Um dos meus projetos no Ninho de Escritores foi o Mapa de Escritores. Aproveitando que eu tinha uma newsletter razoavelmente popular, perguntei quem gostaria de apoio para formar grupos de escritores locais para encontrar e escrever junto. Diversas pessoas se inscreveram. Eu escrevi um e-mail para cada cidade/grupo indicando como dar os próximos passos: selecionar um local e marcar um horário que fossem adequados para todos, e partilhei um exemplo de como conduzir um encontro entre escritores (com temas para escrever, tópicos para conversar etc.).
Para meu espanto, apenas um grupo se reuniu, uma vez, antes de se dissolver.
Esta foi a primeira ocasião em que entendi a necessidade de uma anfitriã para convidar pessoas e sustentar os encontros.
Eu poderia ter feito muitas coisas diferentes com esse projeto. Uma delas seria reunir pessoas interessadas em serem anfitriãs e apoiá-las no processo de criar e conduzir os encontros – algo que eu já vinha fazendo havia alguns anos e, portanto, tinha esquecido como pode ser difícil de realizar nas primeiras vezes. Outra seria oferecer uma estrutura melhor do que e-mail para que as pessoas conversassem, mas devo dizer que nos idos de 2016 minha familiaridade com tecnologias para conexão era muito inferior…
Durante a pandemia, criei um encontro semanal para para homens gays conversarem sobre masculinidade. Assim como no caso do Ninho, eu estava procurando por algo que ainda não havia encontrado, então decidi criar eu mesmo um espaço em que questões de masculinidade fossem pensadas e discutidas a partir de experiências homossexuais. O grupo durou um ano e tenho muito orgulho não apenas das nossas conversas, como também das amizades que aprofundei nesse período.
Morando em Tóquio pela segunda vez, decidi que não queria depender da sorte para fazer amigos, então criei um grupo para reunir pessoas queer interessadas em nerdices. Basicamente, um grupo para jogos de tabuleiros, museu, cinema e outras atividades.
Desde a criação do grupo, em fevereiro deste ano, já somos algumas dezenas de humanos reunidos em um grupo de mensagens no Instagram, a partir do qual compartilhamos convites para atividades diversas. A frequência dos encontros aumenta ou diminui conforme faço mais ou menos convites, reforçando a importância da figura do anfitrião.
Nem todo mundo se sente inclinado a assumir esse papel, e eu temo que o grupo sucumbirá ao silêncio quando chegar meu momento de partir do Japão.
Neste ano, durante uma festa, conversei com uma pessoa sobre minha experiência conduzindo oficinas de escrita. Não lembro como chegamos a esse assunto, mas eu estava determinado a compartilhar a respeito desse lado da minha vida. Como resultado, decidimos fazer uma oficina aqui no Japão.
Estou empolgado com essa perspectiva, pois há quase dois anos não realizo encontros presenciais focados em escrita. A oficina acontecerá dia 2 de outubro em Shinjuku (mais detalhes aqui) e em breve espero ter boas histórias para compartilhar por aqui.
Tenho pensado muito sobre como semear mais conexões em torno das coisas que me importam. Ou, nas palavras de Rosie Spinks, como criar uma vila. Como criar e sustentar comunidades é um tema sobre o qual pretendo me debruçar mais ativamente no futuro, e se isso é algo sobre o que tu gostaria de conversar, por favor me dê um oi, seja nos comentários, seja no Instagram.
Com carinho,
Tales