🦊 Histórias da Parada do Orgulho
"Apesar de geralmente acontecer no final do outono, quando o clima começa a esfriar, não é incomum ver pessoas descamisadas ou apenas de sunga..."
Semana passada, abri um formulário para receber perguntas aqui no Olhar de Raposa. Estava um tanto apreensivo, sem saber se alguém enviaria alguma questão, porém as perguntas chegaram! Para celebrar, a carta digital de hoje será uma resposta.
A pergunta é da Debora:
Bom dia, como foi a parada do orgulho em Tóquio? Sempre tive vontade de ir numa parada mas nunca deu certo.
A Parada do Orgulho de Tóquio é muito diferente da Parada de São Paulo, de Goiânia e de Porto Alegre (cidades nas quais morei e participei). Por serem eventos grandiosos e complexos, ao longo da vida tive perspectivas diferentes sobre as Paradas, assim como imagino que cada pessoa que entra em contato com esses eventos há de ter uma impressão diferente sobre o que está acontecendo.
Por isso, em vez de contar apenas sobre o que foi a Parada de Tóquio, quero relatar algumas histórias e experiências que tive ao longo dos anos.
Goiânia: abaixo à passivofobia
Era 2010 e eu havia me mudado para Goiânia, no centro-oeste do Brasil, para cursar o mestrado. Meu foco de estudo em educação e sexualidade me aproximou dos coletivos LGBT da universidade pública, então fiz amizades com muitas pessoas engajadas politicamente.
No dia da Parada, meu grupo de amigos estava carregando placas com mensagens chamando atenção para diversas questões que atravessam a experiência LGBT.
Recebi uma placa que dizia “abaixo à passivofobia” e me senti absolutamente constrangido ao caminhar pelas ruas mostrando-a para o público. Meus amigos gritavam e dançavam enquanto a Parada avançava, orgulhosamente mostrando suas placas para as pessoas nas ruas e nos prédios. Um amigo querido notou meu constrangimento e se ofereceu para trocar de placas comigo, o que tornou meu dia mais leve.
“Passivofobia” se refere à ideia de que, na comunidade gay, homens que assumem o papel sexual de passivos, ou seja, aqueles que são penetrados durante o sexo, costumam ser vistos como inferiores. Essa é mais uma maneira como a homofobia se manifesta enquanto um espelho da misoginia. Acredito que não haveria homofobia e transfobia se as relações de gênero fossem igualitárias.
Na época dessa Parada, eu havia sido passivo em quase todas as minhas relações sexuais com outros homens, mas esse era um dado revelado apenas aos sussurros durante flertes em chats online. Mesmo que tivesse consciência do absurdo que é considerar alguém inferior porque gosta de ser penetrado analmente durante o sexo, essa ideia estava enraizada em mim e, portanto, me impedindo de sustentar uma placa defendendo o fim daquilo que me atormentava.
São Paulo: um carnaval colorido
A Parada do Orgulho de São Paulo é a maior do planeta. Participei de várias na posição de observador, transitando entre carros de som e acompanhando a marcha da multidão, algumas vezes acompanhado, outras sozinho. Para mim, o elemento mais potente dessas Paradas sempre foi o caráter de festa tomando as ruas e celebrando a diversidade sexual, às vezes de forma bastante explícita.
Apesar de geralmente acontecer no final do outono, quando o clima começa a esfriar, não é incomum ver pessoas descamisadas ou apenas de sunga, além de fantasias similares àquelas que vemos no carnaval. Inclusive, o calor humano aumenta com a facilidade de interagir com outras pessoas – basta duas pessoas cruzarem olhares de interesse para, em seguida, se aproximarem e beijarem.
Essa efervescência erótica da Parada é a mesma que encontramos no carnaval, porém concentrada entre pessoas da comunidade LGBT. Essa é também a maior crítica que vejo ser feita à Parada, pois há quem defenda que a forma explícita como a sexualidade é apresentada e vivida no evento pode incomodar as pessoas que veem a Parada de fora.
Tóquio: uma Parada do pink money
No local de início e término da Parada, há inúmeros estandes de empresas – todas coloridas com o arco-íris – oferecendo brindes e panfletos. Enquanto no Brasil qualquer pessoa pode acompanhar os trios elétricos, em Tóquio é necessário se registrar em um dos grupos que caminharão juntos. No Brasil, cada um caminha o tanto que desejar, enquanto em Tóquio espera-se que as pessoas vão do início ao final da marcha dentro do seu respectivo grupo.
Neste sentido, a Parada em Tóquio é muito mais organizada e, por isso mesmo, contida e controlada. A impressão que tenho, especialmente da posição de alguém que já vivenciou tantas outras Paradas no Brasil, é que a versão japonesa é tímida e sustentada por um conservadorismo capitalista, para dizer o mínimo.
Entretanto, em uma sociedade em que o esforço para não incomodar os demais é continuamente recompensado com aceitação pública, a Parada parece ter encontrado um formato possível. Nas duas edições das quais participei, pude ver famílias celebrando a Parada e incontáveis grupos de pessoas LGBT curtindo um tempo juntos no parque Yoyogi, ao lado de onde acontece o evento.
Muitos dos meus amigos decidiram boicotar a Parada de Tóquio deste ano por conta de a organização do evento receber fundos de empresas que, de uma forma ou de outra, continuam oferecendo suporte para Israel enquanto o genocídio persiste em Gaza. Embora eu compreenda esse posicionamento, penso que a Parada pode alcançar e impactar positivamente muitas pessoas que no dia a dia não têm contato aberto com pessoas LGBT. Enxergar essas pessoas existindo materialmente – e não apenas em programas de televisão e mangás – me parece uma forma muito eficiente de lembrar o mundo de que também merecemos direitos sociais.
Parada pra quê?
Antes de mais nada, a Parada é um movimento político nascido da necessidade de resistir a opressões sociais e lutar por direitos. Ainda hoje pessoas LGBT ao redor do mundo podem ser assassinadas pelo governo em vários países. Ainda hoje, inúmeras religiões pregam ódio e discriminação. Ainda hoje, empresas e famílias recusam e expulsam pessoas com base em preconceitos.
A Parada, como quer que se configure aqui ou acolá, existe como um movimento em direção a mais liberdade, direitos e proteção. Minha esperança é que cada vez mais o que podemos ver e viver nos dias do Orgulho possa ser visto e vivido todos os dias em todos os lugares.
Uma nota sobre Poder
A Colibri, uma empresa que também é editora e concentra seu trabalho em cursos e materiais sobre comunicação não-violenta, está lançando um livro chamado Poder - um guia do usuário. Eu trabalhei na diagramação do livro e estou muito encantado com o conteúdo. O livro atualmente está em pré-venda e eu o recomendo, assim como as outras iniciativas da Colibri.
Muito obrigado pela leitura!
Com carinho,
Tales
Eu achei muito informativo e interessante, quero muito ir apesar de ter medo de me assumir lésbica para minha mãe