🦊 Onde é casa quando estamos de passagem?
Eu tinha 24 anos quando morei sozinho pela primeira vez. Estava cursando o mestrado em cultura visual em Goiânia, no Cerrado brasileiro, e não tinha planos concretos sobre o que o futuro me reservaria. O que sabia é que minha estadia por Goiânia seria temporária.
Pausa para comentar que saber é algo questionável. Eu sabia que seria temporário da mesma forma que alguém sabe que gosta de arroz ou que sabe que amanhã ainda terá um emprego. As coisas que a gente sabe são coisas que a gente acredita, com ou sem evidências que ofereçam suporte, e a vida tem seu jeito de nos mostrar que a gente sabe é de nada.
O que me leva a uma segunda pausa: tudo é temporário e a gente só finge que não pra tentar manter uma sensação de estabilidade. Inclusive, gosto muito das músicas do Jorge Drexler porque com frequência cantam sobre essa efemeridade do existir. Mesmo que tu não entenda espanhol, recomendo ouvir a música Tres mil millones de latidos. Em certo ponto, ele canta: “há gente que é de algum lugar, não é meu caso, estou aqui de passagem”.
Acabadas as pausas, volto ao meu apartamento em Goiânia entre 2010 e 2013. Eu não sabia que passaria três anos e meio morando lá, mas vivia sempre sob a impressão de que a qualquer dia estaria de mala pronta para a próxima aventura, então pensava que não valia a pena pensar em como deixar o apartamento “mais com a minha cara”. Com exceção da minha estante de livros, que colecionava referências sobre meus interesses por sexualidade, visualidades, educação e escrita, muito pouco se podia aprender sobre mim no restante do apartamento.
Parte disso vinha da minha inabilidade de imaginar outras configurações visuais para o apartamento – consequência da minha aphantasia –, porém uma parte ainda maior era a ideia de que não valia a pena personalizar um ambiente que eu não ocuparia por um longo tempo. O que é longo tempo está aberto ao debate. Acabei passando quatro anos em Goiânia, o que hoje está mais próximo de um décimo da minha vida e vai diminuindo conforme acumulo mais invernos.
Talvez a pergunta mais apropriada seja: que diferença faz se for um ano ou um mês?
Com o tempo, meu entendimento de casa mudou. Costumava ser um lugar de abrigo, onde posso comer e dormir em segurança. Eventualmente, se tornou um espaço de encontro, onde posso reunir gente querida e explorar minha sexualidade. Hoje em dia é ainda lugar de abrigo e encontro, mas também um pequeno museu de mim, um memorial das experiências e referências que me importam e me compõem.
Mesmo que eu fique por apenas um ano nesta casa do Japão, tenho intencionalmente feito movimentos para torná-la mais minha – não no sentido de posse, mas de conexão. Da mesma forma que amigos são meus, a casa é minha porque está conectada comigo, não porque sou dono de algo.
É sobre tornar casa onde quer que eu esteja.
Selecionei a foto acima para compor esse texto porque tenho memórias conectadas com cada elemento – elas falam de mim e eu tenho para falar delas. E se alguém se encontra nessas referências, temos um convite a mais para nos conectarmos também, o que me parece a receita para uma boa vida.
Viu algo ali que tu reconheceu ou que te deixou curioso? Me conta!
Com carinho,
Tales