No último final de semana, participei do curso Revelando Segredos, da
, sobre escrita de não ficção e newsletters. Quem tiver interesse, recomendo acompanhar o trabalho dela na e ficar de orelhas em pé para quando surgirem outras oportunidades.Um dos exercÃcios propostos perguntava qual era a nossa maior dificuldade com a escrita. Demorei a encontrar uma resposta. A verdade é que escrever não é algo que eu considero difÃcil. Tenho um bom entendimento dos meus ritmos, sei comunicar ideias com clareza, conheço processos que me ajudam a entender o que quero comunicar… E, com o perdão da prepotência, meus textos saem bons o suficiente com relativamente pouco esforço.
Bons o suficiente.
Pouco esforço.
Foi aà que encontrei a minha maior dificuldade com a escrita: esforçar-me para que o que escrevo alcance além do que um esforço médio é capaz de produzir; perseguir uma excelência artÃstica naquilo que produzo.
Em outras palavras, não venho tratando minha escrita como arte.
No curso com a Vanessa, fui lembrado que pode haver intencionalidade por trás do processo de escrita e de leitura. Mesmo isso não sendo novidade para mim – vale lembrar que passei os últimos nove anos no Ninho de Escritores apoiando pessoas a ganharem consciência sobre sua própria escrita – me percebi repousando num lugar de complacência em relação ao que crio.
Essa postura de escrever sem almejar uma melhoria contÃnua me parece muito legÃtima e coube bem em minha vida nos últimos anos. Por inúmeras questões, estive concentrado em outras coisas: aprender japonês, explorar relacionamentos, ganhar dinheiro, cruzar o planeta.
Agora, conforme preparo meu retorno ao Japão e penso sobre para quais áreas da vida quero dedicar minha atenção e energia, percebo que a escrita está voltando a ganhar espaço, e é sobre isso que quero comentar.
Alguns lembretes necessários
Não há nada de errado em escrever apenas para desovar ideias e sentimentos.
Não há nada de errado em não pensar sobre quem vai ler.
Não há nada de errado em não ter um planejamento editorial.
Não há nada de errado em ler textos só para curtir.
Nadinha.
A intenção na escrita
A oficina da Vanessa me lembrou o que está no coração da minha escrita: o desejo de me conectar com outros seres humanos. Escrevo e publico porque quero conversar, trocar ideias, aprender, pensar e, também, lembrar. Tudo isso em conjunto.
Sabendo dessa intenção, aà sim posso pensar sobre excelência.
Minha escrita atual está me ajudando a conectar com outras pessoas?
Minha forma de publicar está dialogando com que minhas leituras procuram aqui?
O que quero que minhas leitoras encontrem no que escrevo?
De que forma poderia dizer melhor o que estou dizendo?
Para me conectar com outras pessoas, não basta apenas colocar palavras no mundo, é preciso considerar como essas palavras chegam às outras pessoas.
A intenção está também na leitura
Digo sempre que nós escritores somos designers de experiência de leitura.
Isso é válido tanto para textos ficcionais, em que convidamos as pessoas a viajarem conosco por histórias inventadas, quanto para textos de não-ficção. Cada carta digital que publico aqui no Olhar de Raposa é um convite para uma nova experiência de leitura que pode ser coesa, confusa, divertida, enfadonha, educativa, enganosa ou tantas outras coisas. E como todo processo de design, há técnica por trás das escolhas que faço ao escrever.
Durante o curso, Vanessa compartilhou conosco algumas maneiras como olha para os textos que lê e escreve, nos convidando a pensar sobre o texto a partir de sua estrutura (como o texto começa e termina, o que conecta os parágrafos, qual é o tÃtulo) e forma (o tom, o estilo narrativo, o sentimento que se deseja produzir). Ela também sugeriu outras maneiras como podemos nos apropriar de outros textos e usá-los para dar potência à quilo que produzimos.
Reconectado com essa perspectiva de uma escrita que propõe uma experiência intencional de leitura, decidi fazer duas coisas.
A primeira é voltar a olhar para o que leio não apenas como leitor, mas também como escritor. Ler para curtir o texto e também para entender o que, no texto, está me fazendo curtir do jeito que estou curtindo. Fazendo isso, posso tentar reproduzir a experiência por meio da minha própria escrita e, ao fazê-lo, vou aprendendo a trabalhar cada vez melhor a arte que escolhi para mim.
A segunda é voltar a escrever sobre escrita, desta vez aqui no Olhar de Raposa. Fiz isso por anos na newsletter do Ninho de Escritores, porém a deixei parada nesses últimos tempos enquanto tentava definir qual seria o novo espaço do escrever na minha vida. Penso que é hora de retomar, mas não quero abrir demais o leque dos espaços nos quais escrevo – já basta minha intenção de escrever uma nova newsletter em inglês –, por isso decidi trazer também para cá esse tema que me é tão precioso.
Uma pergunta
Quando se trata de criar algo (por exemplo, escrever), como tu equilibra a busca por excelência e a aceitação do bom o suficiente?
Me responde nos comentários?
Após o anoitecer
Ando lendo bastante Murakami. Nesta semana terminei um terceiro livro dele em sequência: Após o anoitecer. Já que estou voltando a falar sobre escrita, gostaria de apontar duas coisas que me tocaram na leitura e que dizem respeito à forma como a narrativa foi construÃda.
A história toda se passa em uma noite, entre o sol de por e se erguer na manhã seguinte. Duzentas páginas transcorridas para descrever os eventos dessa madrugada. O que sustenta a história e dá dimensão a ela são as perspectivas e histórias de vida das personagens, muitas delas deixadas em aberto simplesmente porque não haveria tempo de explorá-las em tão pouco tempo, igualzinho ao que aconteceria conosco ao conhecer alguém em apenas uma noite.
Murakami acrescenta alguns elementos sobrenaturais na história, mas não chega a desenvolvê-los ou explicá-los. Eles simplesmente estão lá, apontando para um certo mistério que, a meu ver, não avançou a história de nenhuma maneira significativa. Remover esses elementos manteria a narrativa de forma muito semelhante, o que me deixou um pouco decepcionado. Embora não esperasse explicações – o sobrenatural as dispensa – gostaria que ao menos houvesse alguma relevância, como acontece em Minha querida Sputnik, outro livro do autor.
Ao terminar de ler, fiquei pensando em escrever uma história toda em uma noite, também com elementos sobrenaturais, porém entremeá-los de forma mais envolvida na narrativa. Olha eu aqui usando os conceitos de escrita não-criativa que a Vanessa ensinou no curso. ðŸ¤
Algumas coisas para olhar
Os quadrinhos maravilhosos (em inglês) da Kimchi Cuddles
Muito obrigado pela leitura!
Com carinho,
Tales
Sobre a pergunta "como tu equilibra a busca por excelência e a aceitação do bom o suficiente?""
Minha resposta é: eu não equilibro. Acho que cada texto, criação, segue um processo diferente e que essas perguntas podem ter pesos diferentes. Vai depender mais do meu estado de humor essa busca/aceitação do que necessariamente a conclusão de que a obra está finalmente e suficientemente finalizada.
foi um prazer enorme te ter na oficina.
tô tão feliz de ler essa reflexão aqui. É esse tipo de troca que faz parte do conjunto de coisas que me estimulam a continuar esse caminho da escrita :)