Com o final do ano se aproximando (essa é a minha última carta digital de 2021), estou reflexivo sobre a importância de recordar. Conheci esse termo aplicado da maneira como vou apresentar aqui durante um treinamento intensivo internacional em comunicação não-violenta do qual participei em 2019.
Na abertura de cada dia, os facilitadores pediam que alguém compartilhasse algo, geralmente de cunho artístico, em um momento de recordação. Esse algo servia para nos reconectar com o propósito de estarmos lá praticando juntos, um lembrete a respeito do mundo que queremos coelaborar.
Há muitas coisas que me servem de recordação. Quando descobri músicas que cultivam uma noção de poliamor, e portanto escapam da lógica do amor romântico marcado pelo sofrimento e medo de traição, senti alívio porque encontrei arte que fala comigo e com as experiências que me importam. Quando assisti ao seriado Being Erica e descobri modos de lidar com meus arrependimentos, senti-me mais forte porque fui capaz de elaborar princípios que me informam sobre como agir.
Essa ideia da recordação é algo que trago no coração do Ninho de Escritores: o propósito dos encontros, além de acolher pessoas e praticar a escrita, é experimentar uma bolha de utopia, um espaço no qual nos dispomos a tentar a colaboração, o apoio incondicional, a compaixão. Escrever, às vezes, acaba sendo apenas uma desculpa para que possamos recordar.
Algo que sempre digo sobre o Ninho, inclusive, é que provar dessa bolha de utopia nos convida a perceber que outros espaços, quando ordenados em princípios de dominação e competição, são inaceitáveis. Saber que há alternativas mobiliza para a mudança.
Uma outra forma de recordar é ler um texto religioso. Por esses tempos me questionei sobre o que levava pessoas a lerem e relerem o mesmo livro, digamos a bíblia, de novo e de novo. Encontrei a resposta em um artigo da School of Life. O texto apontava uma ideia que guardo comigo: nossa mente é um balde com furos. Quando bebemos ideias e percepções de mundo, elas enchem esse balde. Porém, porque tem furos, essas ideias vão também escorrendo. O mundo nunca para de nos derramar ideias: televisão, livros, conversas, atitudes, tudo enche o nosso baldinho.
Quando aprendo sobre um determinado princípio ético, ponho-o para dentro do meu baldinho, mas com o tempo ele também escorrerá. Reler os princípios que me importam é recordar, é derramar de novo dentro do balde. O mesmo vale para a prática, porque perceber a prática em ação é uma maneira de reencher o baldinho.
No encontro de celebração de final de ano do Ninho de Escritores, ouvi a seguinte ideia (não pela primeira vez, mas já havia escorrido para fora do meu baldinho): “Não tire da sua vida aquilo que te nutre”. Uma ideia singela, fácil de deixar escapar, porém poderosa.
Porque não quero mais deixar essas coisas escapar, estou pensando em montar um pequeno caderninho de ideias para não esquecer, algo como uma oração diária, a qual poderei adaptar conforme a vida pedir, mas que também poderei ler todos os dias a fim de resguardar na memória (e no baldinho) coisas importantes de lembrar e fáceis de esquecer.
Tu tem algum princípio que te orienta? Alguma frase que te toca, que te diz sobre como tu escolhe existir no mundo? Se sim, me conta?
Uma playlist - Poliamor
Encontrei essa playlist do Spotify e sigo acompanhando-a com muita gratidão por quem se deu (e ainda dá) ao trabalho de montá-la e atualizá-la. Gosto de todas as músicas? Não, mas elas me recordam do que me importa quando se trata de amar e me relacionar.
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Um site - The book of life
Em inglês, este site é uma coleção de textos sobre temas diversos relacionados à humanidade: relacionamentos, trabalho, sociedade, cultura. Vale a pena cada minuto dedicado a ele.
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Uma imagem
Enquanto buscava uma imagem para incluir nesta carta digital, encontrei uma seleção de “melhores fotografias de 2021”. Achei pertinente.