O que está por trás da incerteza, se não o medo de que as coisas aconteçam de uma forma diferente da que eu gostaria?
Li hoje no Instagram no perfil _sementeira_ um post com texto de Clarice Lispector que dizia o seguinte:
Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase “se eu fosse eu”, que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria melhor sentir.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.
Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido.
No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais
Esse texto me tocou porque estou olhando para algumas incertezas e percebo-me paralisando, escolhendo a calmaria do não agir porque sem agir já tenho uma noção dos resultados possíveis. Nem gosto tanto deles, mas já os conheço, e há algo na familiaridade que me traz segurança.
E claro, incerteza bate quando algo importa. Se não importa, lido bem com a incerteza, até faço graça dela. Quanto mais importância dou pra algo – e aí estão expectativas e apegos – mais tenho medo do incerto, mais conecto incerto com inseguro.
Pensando nisso, lembrei de um site que acompanho há anos. Chama-se Zen Habits. É um dos sites aos quais retorno com mais frequência, porque o autor, Leo Babauta, compartilha seus aprendizados com o zen para lidar com a vida de forma mais corajosa e presente. Essa é, em grande medida, uma missão de vida que considero também minha.
Pois fui atrás de um texto no Zen Habits que falasse sobre incerteza, pois estava com dificuldade de iniciar esta carta eletrônica, e encontrei o seguinte texto, que traduzo aqui (ou tu pode ler o original completo em inglês):
Então… como podemos aprender a nos deleitar com a incerteza? Prática.
Aqui a prática que você pode tentar:
Perceba a incerteza em uma tarefa. Um bom sinal de que você está sentindo incerteza é que você prefere evitar a tarefa. Se este é o caso, perceba como se voltar para a tarefa (mesmo pensar sobre ela) faz você se sentir, como uma sensação corporal. É assim que a incerteza é sentida em seu corpo!
Comprometa-se a dançar com ela. Se afastar da incerteza traz resultados previsíveis na sua vida. Como seria fazer algo diferente? Comprometa-se a fazer algo diferente: enfrente, esteja com ela, dance com ela. Dê a si mesmo 10 minutos para estar com a incerteza desta tarefa.
Veja a oportunidade na tarefa, veja a alegria nela. O que você poderia fazer com essa tarefa que iluminaria você?
Permita-se se mexer, fisicamente. Levante-se e se mova. Dance, faça exercício, caminhe, pule! Quando estamos presos sentados, é mais difícil sentir deleite. Nós precisamos nos mover. E para realmente ver o mundo como ele é neste movimento – olhe ao redor, encontre o deleite neste momento que está sempre se transformando e pleno apreço pela vida!
Acolher a incerteza, reconhecer que não temos controle sobre a vida, apreciar que tudo está sempre mudando – qualquer coisa estática é apego. Essa me parece a maior coragem de ser a si mesmo, de reconhecer nossos fluxos, interesses, desejos, necessidades, medos, e viver com eles todos, em vez de fugir na (falsa) certeza do não.
Na dúvida, respira e caminha.
Puxa Tales, que texto maravilhoso!!! O seu e os textos que vc inseriu como base para reflexão. Li seu texto assim que acordei e o levarei como reflexão do meu dia!!! Obrigada 💙💚❤️