🦊 Algumas notas sobre aprender
Na sala de aula, a professora de japonês pede para fazermos alguns exercícios do livro. Olho para o amontoado de letras desenhadas e começo a explorar seus significados. O processo é o mesmo para leitura ou para audição: primeiro, é necessário reconhecer as formas ou os sons como algo que já compreendi antes; depois, preciso puxar da memória seu significado ao mesmo tempo em que coloco em prática as regras gramaticais para adicionar mais camadas de sentido. Afinal, de nada adianta reconhecer palavras em isolamento sem compreender as relações entre elas.
Se estudei o material antes da aula, posso consultar minhas anotações para ver a tradução de cada palavra e momentaneamente compreendo o significado da frase. Entretanto, traduzir uma vez não significa que eu aprendi.
Aprender é outra coisa.
A professora pergunta se já concluímos. São oito frases e eu ainda estou na segunda. Olho ao redor e vejo que muitos dos meus colegas já concluíram os exercícios. Eles entendem muitas coisas que ainda me escapam à compreensão. Preciso de mais tempo, mas a aula continua. As palavras passam por mim, desenhos e sons, e vou pescando o pouco que consigo de cada vez.
Na rua, a história se repete. Vejo placas, porém não entendo o que dizem. Precisaria parar, pesquisar, forçar a memória, tentar outra vez. Não tenho tempo, estou a caminho de algum outro lugar, demoraria demais, fica para a próxima.
Na frente de casa, estão construindo uma ponte. Todos os dias vejo placas e sinais indicando coisas que não compreendo. “Vou tirar uma foto e mostrar do que estou falando”, penso comigo. Enquanto preparo para tirar a foto, percebo que conheço alguns dos kanjis. A memória me traz de volta o significado da maioria deles. O único que eu não sabia, o primeiro, pesquiso no dicionário.
“Proibido estacionar na rua”.
O que antes era um emaranhado incompreensível agora faz sentido. Meu mundo se ampliou porque eu parei e prestei atenção.
Lembro quando cheguei no Japão e tive minha primeira aula. A professora nos entregou folhas de papel e pediu começou a ditar algumas palavras para escrevermos. Naquele momento eu já estava em contato com a língua japonesa havia alguns anos, mas ainda não sabia escrever mesmo nos dois alfabetos básicos (hiragana e katakana). Ao fazer os exercícios, precisei pesquisar letra por letra.
Duas semanas depois, eu estava escrevendo hiragana e katakana sem precisar consultar o dicionário.
Semana passada, fui cortar o cabelo com uma pessoa que só fala japonês. Treinei como explicar o que eu queria dizer, separei fotos para mostrar, me preparei para o caso de não encontrar as palavras certas.
A moça perguntou quando foi a última vez que cortei o cabelo. Eu não lembrava como dizer “última vez” e tentei falar usando as palavras que conseguia. Depois de algum esforço, ela compreendeu o que eu estava dizendo e me corrigiu, oferecendo a palavra correta, que agora habita em minha memória.
Durante meus primeiros anos de estudo da língua japonesa, achei que bastaria ir para a sala de aula e, eventualmente, num estalar de dedos, meu cérebro passaria a compreender o que estava vendo e ouvindo. Isso ainda não aconteceu.
Meu equívoco tem sido esperar que o aprendizado aconteça sem muito esforço, de forma natural, simplesmente por estar em contato com o idioma. Entretanto, não é assim que a gente aprende as coisas.
Às vezes a gente acha que aprendeu porque escreveu o significado da palavra do lado dela, mas um dia depois não lembra. O que a gente sabe é aquilo que é capaz de recuperar espontaneamente da memória, o que é capaz de fazer com algum grau de consistência.
A gente aprende quando presta atenção, pratica e se importa.
Acima de tudo, aprender é um exercício de frustração. Não saber alguma coisa e esbarrar nos limites da nossa capacidade é terrivelmente incômodo. Ou pelo menos essa é uma forma de olhar.
Uma outra forma, na minha opinião muito mais interessante, é perceber esse lugar do não saber como um espaço para brincar, ser curioso e apreciar o sabor das coisas novas. Quando compreendi que a faixa dizia “proibido estacionar nesta rua”, senti uma onda de excitação.
Passei o resto do dia tentando ler outras placas na rua, brincando com o mundo grande que se abriu para mim.
É assim que quero viver.
Com carinho,
Tales