No caminho entre Tóquio e São Paulo, passei uma semana em Hong Kong, logo depois de passar dois dias em Seoul, na Coreia do Sul. Minhas primeiras impressões de Hong Kong foram as piores possíveis: achei tudo barulhento e bagunçado, meu quarto de hotel era pequeno e mal cuidado, as janelas davam para outros prédios e eu tinha que fechar as cortinas para usar o banheiro com privacidade.
Mas deixa eu contar melhor essa história.
Era domingo de manhã, tomei um banho, arrumei minhas coisas e fui para o aeroporto. Chegando lá, fui direto pegar meu cartão de embarque e despachar a bagagem. Tanto minha mochila quanto a mala estavam pesadas, então me liberar de uma delas foi um alívio.
Depois disso, resolvi procurar algo para comer. Eu tinha ainda uma hora até o horário do embarque, então calculei que dava tempo de comer algo rápido. Circulei um pouco pelo aeroporto até finalmente comer um rolinho de canela (cinnamon roll). Estava gostosinho, porém super doce, e acabou sendo minha única refeição naquela manhã. Meu voo também não teria comida, já que escolhi uma companhia mais barata.
Eis que decidi passar pela área de imigração rumo ao meu portão de embarque. Eu tinha ainda 30 minutos – e por alguma razão, havia esquecido que pode ser muito demorado passar pela checagem de bagagem e controle de passaporte. Meus trinta minutos até o horário de embarcar se tornaram cinco minutos de atraso e eu ainda estava na fila para entrar na fila da inspeção de bagagem. Avisei para os guardas e tudo o que me disseram foi para me apressar – mas como, com tanta gente na minha frente?
Quando terminei de passar pela inspeção da bagagem e do passaporte, eu já estava pelo menos vinte minutos atrasado em relação ao meu horário de embarque. Corri para pegar um trem dentro do aeroporto e depois corri mais um pouco escadas acima quando chegamos na ala certa do aeroporto. Uma funcionária da companhia aérea estava esperando por mim. Assim que confirmou minha identidade, avançou correndo à minha frente e gritando para as pessoas abrirem espaço.
Cheguei ao avião e todo mundo já estava sentado. Bastou eu guardar a mochila no bagageiro e sentar para a aeronave começar a se mover. Queimei de vergonha enquanto tentava controlar a respiração ofegante.
Algumas horas depois, cheguei a Hong Kong, peguei um trem até a ilha onde me hospedaria. O Google Maps me mandou seguir pela saída E da estação de Hong Kong. Encontrei A, B, C, D, F, G e H, mas nada da E. Era como se ela não existisse. Acho que passei meia hora carregando minha mala e mochila pra lá e pra cá, até desistir e deixar a estação por outra saída qualquer.
Foi nessa hora que me perdi entre as ruas lotadas e as passarelas suspensas ainda mais cheias de pessoas tagarelando. Tanto Japão quanto Coreia são países razoavelmente silenciosos, então fiquei um pouco desnorteado com a paisagem sonora de Hong Kong. Eu estava cansado, acuado com tantos estímulos e, principalmente, com fome. Até aquele momento, tudo o que eu conseguia perceber em Hong Kong era desorganização, ruído e cinza.
Logo que cheguei no hotel, queimando de frustração, liguei meu computador e comecei a procurar por outros hotéis e também por passagens aéreas para outros lugares. Tudo muito caro, tudo muito difícil, eu não conseguia pensar direito, então resolvi comer alguma coisa antes de tomar quaisquer decisões drásticas.
Com a ajuda de um amigo local que conheci em Tóquio alguns meses antes, encontrei um restaurante bacana perto de casa e fui me alimentar um pouco. Bebi também uma cerveja, porque com frequência ainda associo álcool com momentos de cansaço e relaxamento.
Quando saí do restaurante, porém, minha vontade de ir embora havia se transformado em outra coisa: curiosidade.
Hong Kong é uma cidade intensa. Cheia de luzes e sons, carros passando rápido pelas ruas, prédios altíssimos e também uma natureza exuberante. Isso tudo estava lá desde minha chegada, mas o filtro da fome não me deixou perceber ou apreciar o que estava ao meu redor.
Nem posso dizer que isso foi uma novidade para mim: uma das bases da comunicação não-violenta passa por reconhecer a importância de termos nossas necessidades bem cuidadas para que possamos ser nossas versões melhor conectadas tanto conosco quanto com o que nos cerca.
Então fica a dica: quando os sentimentos estiverem aflorados, vale a pena olhar pra dentro e procurar o que está causando esse agito.
E já que estou falando de Hong Kong e coisas que aprendi com a comunicação não-violenta, há uma outra história que gostaria de compartilhar.
Conheci um rapaz pelo Grindr e atravessei a cidade para encontrar com ele. Pelo aplicativo eu já tinha algumas expectativas, mas quando o encontrei pessoalmente, fiquei ainda mais atiçado, pois fisicamente ele correspondia a todos os aspectos que costumam me atrair em um homem. Nós transamos e o sexo foi muito gostoso. Saí de lá querendo mais e já pensando sobre o que eu poderia mudar nos meus planos para abrir espaço para o moço.
Comuniquei minha tristeza por não poder encontrá-lo mais vezes, apesar da minha vontade. Ele respondeu com um equivalente a “pois é” e a conversa morreu ali. Segui com meu turismo e não nos falamos mais, porém fiquei com uma pulguinha me sussurrando que ele poderia ser alguém para investir em um relacionamento mais duradouro, mesmo que uma amizade à distância…
Levei um dia ou dois para voltar a mim mesmo e perceber o que estava acontecendo: eu estava confundindo conexão e tesão. Sim, nós tivemos um ótimo encontro sexual, mas fora disso não houve realmente muita conversa que justificasse essa percepção de que havia algo a mais que nos conectasse, especialmente sem a proximidade geográfica necessária para transarmos. Tivemos química, mas apenas em uma atividade específica e pontual.
Essa é outra lição que a comunicação não-violenta me trouxe ao longo da vida: diferenciar minhas interpretações do que de fato está acontecendo, diferenciar minhas expectativas do que estou sentindo, e tentar tanto quanto possível ver e ouvir o que está de fato sendo apresentado, em vez do que eu gostaria que fosse a realidade.
Hong Kong em uma semana me ofereceu muito para pensar e me sinto muito grato por isso.
Com carinho,
Tales