Quando treinava escritores, uma das maiores dificuldades que as pessoas enfrentavam era encontrar tempo para a escrita. A minha resposta geralmente se parecia com: tuas 24 já estão ocupadas com o que quer que tu faça hoje, então do que tu pretende abrir mão para poder escrever? Não dá pra simplesmente encaixar uma coisa nova, alguma coisa velha tem que sair. Às vezes dá pra tirar tempo de ócio nas redes sociais; às vezes precisamos tirar algo que nos importa mais.
O que vale para a escrita, vale também para a vida.
Desde que voltei do Japão, estou refletindo sobre como quero organizar meu tempo. Dedico muitas horas semanais e energia ao trabalho, e pelo menos por enquanto não vejo caminhos para mudar isso. O que me sobra, portanto, são as noites de semana, os sábados e os domingos. Neste tempo, quero fazer exercícios, estudar japonês, encontrar amigos, conhecer gente nova, viajar… E não há tempo para tudo isso, não há tempo para estudar tanto quanto eu gostaria, para assistir a todos os animes que eu quero, para cuidar das minhas relações afetivas e estabelecer novas, para estar em São Paulo e também em Porto Alegre, Tóquio, Florianópolis, Goiânia e tantos outros lugares onde habitam pessoas que me importam.
Por mais que eu não queira admitir, há um limite para o que cabe na vida.
Quando confronto essa percepção, logo percebo alguns pensamentos familiares se aproximando: eu deveria passar mais tempo com minha família, eu tinha que limpar a casa com mais frequência, eu não estou estudando ou lendo ou caminhando tanto quanto deveria… Se o tempo é limitado, eu tenho que me planejar melhor, eu preciso ser mais esperto, não há tempo a perder.
Ontem passei o dia no parque com uma amiga e seu filhote. Caminhamos, conversamos, brincamos com a criança, algo que marcamos sem hora certa para começar ou terminar. Nos separamos quando bateu a vontade de ir embora.
Certa vez namorei um moço que passava pouco tempo na cidade, então nos finais de semana em que ele conseguia visitar, marcava três, quatro, cinco encontros no mesmo dia. Almoçava com alguém antes de ir num café com outro amigo, para depois jogar bilhar com outra pessoa, e então jantar antes de seguir para um bar… Era uma vida intensa. Ele contava que queria aproveitar a vida ao máximo.
Eu sei de onde vêm essas ideias de que eu deveria isso e tenho que aquilo. É uma parte minha que quer cuidar para que eu tenha uma boa vida e acredita que esse é o caminho, do mesmo jeito que uma mãe diz “não volta tarde” mais pelo medo do que pela saudade.
Gosto de cultivar uma vida que flua pela vontade do querer, em vez de seguir o curso das obrigações. Por isso, quando me vejo pensando que “eu tinha que…”, logo tento me recordar do que estou cuidando. Se fico em casa em vez de marcar encontros sociais com pessoas que não vejo há tempos, reconheço que quero um tempo de descanso e que, neste momento, isso é mais importante para mim do que encontrar essas pessoas queridas. Sei que é um dia a menos em uma vida limitada, mas essa é a vida que escolhi para balançar as minhas necessidades do momento.
Muitas coisas já se impõem sobre as 24 horas que tenho em cada dia: trabalho e atividades de manutenção (higiene, comida etc.). Que ao menos o resto do tempo possa ser vivido com leveza e intenção.
Com carinho,
Tales