

Discover more from Olhar de Raposa
Atos de cuidado com uma pessoa amada
Olá, olá!
Hoje quis fazer algo diferente e compartilhar um texto de ficção que escrevi durante um dos encontros do Ninho de Escritores. É curtinho, mas gostei do resultado e já faz algum tempo que não partilho ficções publicamente. O texto nasceu de um exercício cujo tema era atos de cuidado com uma pessoa amada.
Espero que aprecie.
Atos de cuidado com uma pessoa amada
Genivaldo nunca disse um eu te amo para o filho. Pelo contrário, se abria a boca era para corrigir e ralhar. "Sai de cima desse muro, moleque!", "Se tua irmã disse para não mexer, então não mexe!", "Come toda a comida sem dar um pio!". Sua voz rouca rasgava a sala e de pronto colocava o menino no prumo.
Quando a fábrica dispensou todos os funcionários e Genivaldo se viu sem ter como prover o alimento das crianças, foi a esposa Antonieta quem encontrou um trabalho, primeiro na casa dos parentes dos patrões de uma prima e depois seguindo o ritmo das indicações.
Genivaldo levantava antes do sol e passava um café enquanto a esposa tomava banho e se perfumava. Despedia dela com um beijo na bochecha e ficava apoiado no portão enferrujado espiando até ela desaparecer na esquina. Voltava para dentro e gritava com o menino e a menina para que levantassem e se aprontassem para a escola. Ai deles se não despertassem na primeira chamada.
Às vezes o menino acordava primeiro e, como bom irmão mais velho, chacoalhava a irmãzinha. Às vezes quem despertava era ela e, como boa caçula, cutucava avisando que papai já havia chamado. Quando chegavam à mesa da cozinha, o pai lhes servia um leite quente e um pão com ovo frito, a gema derramando seu amarelo pelo branco enfarinhado.
De olho no relógio, Genivaldo recolhia os pratos e apressava os filhos para que saíssem logo. Caminhava com eles até a escola e do portão de ferro via-os correr para encontrar com amigos até o sino tocar. Cumprimentava o porteiro, o segurança da rua, outros pais e mães, e retornava para a casa vazia.
O menino Tomas, primeiro filho vivo de Genivaldo e Antonieta, enchia a mãe de eu te amos, mas ao pai reservava um respeitoso silêncio.
Anos depois, quando uma tarde repentina levou Genivaldo embora, Tomas sentiu falta do leite quente e do pão com ovo frito.
Sugiro dar uma olhada 🧐
Algumas das coisas para as quais andei dedicando atenção.
O velho e o mar - Rubel
Uma música para embrulhar o coração.
Batismo na pandemia
Vi essa imagem no Twitter (link) e quero guardar pra sempre na memória essa imagem. Padre com máscara, casal sem, rituais religiosos, pistola de água… São tantas coisas para olhar e analisar que mereceriam um texto inteiro só para essa foto.
Autodefesa
A artista Helô D’Angelo compartilhou uma série em quadrinhos no seu perfil do Instagram falando sobre a experiência de aulas de autodefesa. Além de muito instrutiva, uma questão me pegou com força: a ideia de que “para se defender, você tem que acreditar que a sua integridade física vale mais do que a da pessoa que está te agredindo”.
Desde cedo aprendi que não devo causar incômodo a ninguém, que posso resolver comigo mesmo as minhas dores e frustrações. O que acontece, porém, quando estou em situações em que precisaria usar força física para proteger minha saúde, ou mesmo a minha vida?
Até hoje, em situações similares, eu paralisei. Os quadrinhos da Helô falam também sobre isso, recomendo demais a leitura.
Mulheres e aborto
Ainda no perfil da Helô no Instagram, ela conta sobre a mudança histórica da percepção cultural sobre o controle do corpo da mulher e da reprodução. Um tema muito importante nessa época de crescimento de pensamentos conservadores e controladores.
Pais poliamorosos
Em uma coluna de conselhos sobre relacionamentos (em inglês), uma pessoa contou sobre seus pais sexagenários e o namorado de 23 anos deles. A pessoa, filha do casal, queria expressar sua indignação, mas o autor da coluna foi bem direto em sua resposta (tradução minha): “Alguém poderia considerar algumas das coisas que você mencionou como bandeiras vermelhas… Se se alguém for um enxerido cheio de julgamentos cujo único jeito de agir for se meter na vida alheia. Sim, num mundo ideal, todo sexagenário se relacionando com um namorado de 23 anos seria capaz de viver sua verdade, em alto e bom tom, mas seus pais cresceram em um tempo diferente e, independentemente disso, muitas comunidades não recebem poliamor com gentileza”.
Sobre amar a si mesma
Vendo meu texto e os quadrinhos da Helô sobre autodefesa na mesma carta digital, me ocorreu uma lembrança que às vezes é fácil de deixar escapar: se há coisas que eu faria para proteger uma melhor amiga, uma mãe, uma tartaruga, então o mínimo que eu gostaria de esperar é estender esse mesmo carinho para mim mesma.
Eu quero ser minha melhor amiga e me tratar com o cuidado e carinho com que trato minhas melhores amigas.
E ir para a batalha ao lado delas
No perfil do Instagram dinosandcomics, minha tirinha favorita deles fala sobre como podemos cuidar das pessoas.
Dino rosa: “Seja gentil. Todo mundo está lutando suas próprias batalhas”.
Dino azul: “Por que eu seria gentil? Eu serei brutal e implacável. E irei à batalha ao lado delas.”
☝ Amar não é apenas sorrir e abraçar, é também lutar junto.
Obrigado pela leitura!
Com carinho,
Tales