Essa foi a minha última semana das férias de primavera na escola onde estudo japonês. Vivi um punhado de experiências bacanas que me fizeram pensar sobre o tema das amizades na vida adulta, esse tópico que é um drama contínuo para tanta gente, eu incluso.
Venho participando de grupos de troca de idiomas e, por meio deles, conhecido um bocado de gente nova. No último encontro do qual participei, conheci um rapaz peruano. Após o encontro, seguimos conversando rua afora. Estávamos falando em português, idioma que ele havia aprendido convivendo com amigos brasileiros, quando uma moça nos interrompeu, perguntando em inglês:
“Vocês estavam no evento de troca de idiomas?”
Eu havia visto a moça no evento. Ela não participou, mas entrou brevemente no meio da sessão para perguntar a respeito do que estava acontecendo.
Respondi que sim, que estávamos saindo de lá, e ela nos contou que nos ouviu conversando e reconheceu que se tratava de português. Quando criança, ela passou um tempo em Portugal e, embora não seja capaz de falar o idioma, consegue entender quando o escuta.
Ficamos meia hora parados em uma esquina conversando sobre nossas experiências de vida no Japão e no mundo, trocando referências e sugestões sobre o que pode valer a pena vivenciar morando aqui, simplesmente porque uma pessoa estranha juntou coragem e disposição para puxar assunto. Só paramos de conversar porque eu precisei ir embora para trabalhar.
Vi um homem de 45-60 anos carregando uma daquelas bolsas comuns de trabalhador de escritório. Pendurada nele, um plushie de gatinho, coisa mais fofa da vida. Incrível como as pessoas podem ser diferentes do que uma primeira impressão sugere.
No mesmo dia, voltando para casa, vi uma mulher e uma garota que supus ser sua filha. As duas usavam suéter laranja, óculos e cabelo tigelinha. Fiquei pensando sobre o espaço que a menina teve na vida, pelo menos até aquele momento, para desenvolver uma identidade que não seja cópia de sua mãe.
Fui a um piquenique sábado passado para ver o desabrochar das flores de cerejeira aqui no Japão. Neste ano, as cerejeiras estão demorando mais do que o esperado para florir por inteiro, provavelmente por causa do frio incomum. Já são semanas de atraso em relação às previsões iniciais. Eu estava no Japão ano passado e, nesta época, todos os lugares estavam tomados de cores diversas.
No piquenique, que encontrei por meio do site Meetup, conheci um punhado de pessoas, inclusive um casal que trouxe raquetes e peteca de badminton. Eles jogaram e convidaram outras pessoas para jogar. Foi minha primeira vez, adorei perceber como é diferente de tênis ou frescobol, já que a peteca percorre uma trajetória diferente e a raquete é mais estreita do que eu estava acostumado. Jogamos, rimos, conversamos, depois trocamos contatos e tenho aí mais uma chance de conectar com pessoas fabulosas que compartilham seus interesses com os outros.
Às vezes passo semanas ou meses sem falar com pessoas queridas, mesmo quando estou querendo contato. As razões são diversas, mas não é sobre elas que quero falar. Aqui no Japão, escrevi para mim mesmo uma lista de pessoas com as quais quero manter contato. De tempos em tempos, olho a lista e me pergunto quando foi a última vez que falei ou encontrei a pessoa. Se fizer mais de uma semana desde o último contato, escrevo uma mensagem para ela.
Demorei a colocar essa ideia em prática porque pensava que primeiro tinha que aparecer a vontade de falar com uma pessoa em específico. Acontece que mesmo quando a vontade aparecia, às vezes eu deixava pra fazer logo depois e aí esquecia por semanas. Não é que eu não goste ou não queira conectar com essas pessoas, eu gosto e quero. Ainda assim, deixo para depois, espero “a oportunidade perfeita” etc.
Para evitar isso, fiz a lista.
Por enquanto tem sido uma boa experiência.
Estava fazendo turismo em uma cidade do interior junto a um amigo e paramos em uma loja porque ele queria comprar café. A atendente puxou assunto sobre os bótons de Spy x Family que meu amigo tinha na mochila, e ficamos um tempo conversando em japonês sobre anime, personagens favoritos, de onde viemos e o que estamos fazendo no Japão.
Saí de lá decidido a implementar mais elementos no meu dia a dia que facilitem conexões com as pessoas. Quero que estranhos me olhem e encontrem pistas sobre o que poderiam conversar comigo. Conexões acontecem quando interesses em comum se cruzam.
Vi um vídeo no Instagram (acho que de The School of Life) em que um moço falava sobre como amizades se constroem a partir de vulnerabilidades compartilhadas. Achei lindo e verdadeiro.
Recentemente assisti à primeira temporada de um anime chamado Frieren, sobre uma elfa maga que já viveu mil anos. O anime começa quando o grupo de aventureiros do qual Frieren faz parte está retornando de uma aventura épica que os tornou famosos pelo reino inteiro. Ela se despede do grupo e passa os próximos vinte ou trinta anos pesquisando algumas coisas. Quando retorna, um de seus ex-companheiros de aventura falece por conta da idade. Deste ponto em diante, acompanhamos Frieren vivendo, tecendo novas relações e aprendendo o valor do tempo compartilhado com outras pessoas, mesmo aquelas que passarão pouco tempo ao seu lado.
No final do ano passado, lancei A gay fox in Japan, minha newsletter em inglês. Minha intenção era escrever conteúdos diferentes dos que escrevo em português, mas a rotina que mantenho hoje me dia não tem me permitido fazer isso. Decidi então torná-la um espaço de tradução do Olhar de Raposa. Relutei para fazer isso, mas quero continuar construindo laços com pessoas que querem me ler, mas não compreendem a língua portuguesa.
Afinal, amizades, como as flores de cerejeira, florescem quando as condições são apropriadas, seguras, nutritivas etc.
Obrigado pela leitura e companhia!
Com carinho,
Tales