Estava me secando no vestiário depois de nadar quando um homem puxou assunto comigo:
– O fôlego está voltando…
Ele estava sentado, arfando, as costas arqueadas. Era um homem de uns 40 a 60 anos. Nota-se que não sou muito bom em definir idade, especialmente porque agora com 35 ainda me enxergo de forma muito parecida como quando eu tinha 20, então me questiono como é isso de reconhecer idades quando minha referência de pessoas de 35 inclui barriga de chope e cabeça careca. Bem, a careca estava lá. Na verdade, um cabelo bem curtinho, mas de resto, era um homem alto, encorpado, embora nem musculoso nem gordo. A vantagem de analisar pessoas no vestiário é que as roupas não enganam os contornos do corpo porque elas estão guardadas no armário.
– Ficou muito tempo sem fazer exercício? – perguntei, meio curioso, meio embaraçado porque fiquei uns segundos achando que ele ia continuar, mas não continuou.
– Seis anos – ele respondeu, antes de me contar sobre como suas prioridades de vida mudaram com o tempo, que no passado malhava, mas depois decidiu investir nos estudos e recentemente retornou à natação.
Como acontece com conversas aleatórias de vestiário – as quais sempre tenho a sensação de que não sei navegar –, falamos sobre o preço do clube, o custo de nadar em São Paulo, o equilíbrio entre comidas gostosas e exercícios. Aliás, o modo como ele trouxe a comida para o assunto foi curioso:
– Daí não adianta sair daqui e pegar uma redonda.
Precisei perguntar o que era uma redonda, achei que talvez fosse uma cerveja (tinha uma que descia redonda, não?), mas era pizza.
Falamos também sobre continuar praticando para que possamos ser melhores do que éramos na semana anterior, e essa talvez seja a grande questão comigo na vida. Li um texto hoje (mentira, só passei os olhos por ele pescando frases aqui e acolá, mas finge que eu li) sobre como viver sem arrependimentos (texto em inglês) que fala sobre uma prática bacana proposta por Marshall Rosenberg, o sistematizador da comunicação não-violenta. Funciona assim: quando estamos em processo de luto por algo que gostaríamos de ter feito diferente, nos fazemos exatamente essa pergunta: o que gostaríamos de ter feito de outra forma? A resposta é uma pista para correções de percurso que podemos fazer. Eu os chamo de ajustes de coerência.
Se eu agi de um jeito e não gostei do impacto das minhas ações, ou acredito que não estava bem alinhado com meus valores, o jeito é respirar, avaliar o que eu gostaria de ter feito diferente e… Tentar fazer diferente.
A gente nasce já num planeta girando, a vida acontece o tempo inteiro. O que dá pra fazer é ajustar nosso comportamento para as próximas vezes. Isso vale para como eu trato quem eu amo e também como eu lido com quem eu não conheço.
Isso vale para como eu faço arte. Ouço com frequência no Ninho de Escritores coisas como “eu não sei escrever personagens complexos e verossímeis”. Tudo bem, começa com o que tu sabe e vai fazendo ajustes de coerência. Vai com o que tem disponível pro agora, depois busca jeitos de melhorar.
Dei tchau pro moço e fui-me embora para casa. Ele estava quase pronto quando terminei de me vestir, mas eu não quis estender a conversa. Já era final do dia e quis preservar um restinho de energia porque tinha um texto para escrever.
Um perfil de Instagram - Quadradinhas LGT
Um trecho - A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha
Dia 27 teremos encontro do clube do livro do Ninho de Escritores (inscrições aqui). Comecei a leitura e estou encantado, a cada parágrafo encontro uma pérola que me faz baixar o livro e ficar pensando, ou que me deixa sorrindo porque achei a escrita muito inteligente. Diferente de outros livros em que me conecto com as personagens e quero descobrir o que vai suceder com elas, aqui eu estou me deliciando com o uso esperto e criativo da linguagem.
Cecília veio ao mundo nove meses e dois dias depois das bodas. Era uma bebê risonha e gordinha, recebida com festa pela família, que repetia: É linda!
Afonso veio ao mundo no ano seguinte. Era um bebê risonho e gordinho, recebido com festa pela família, que repetia: É homem!
Quem precisa explicar machismo e relações de gênero quando tem um texto porreta desses na mão?