Ano passado, no Japão, fui convidado para uma festa de aniversário e disse “sim, eu vou”. No dia do evento, percebi algo que virou piada recorrente com um amigo: seria melhor se eu olhasse para onde as pessoas estão me convidando antes de aceitar os convites. Tanto São Paulo quanto Tóquio são megalópoles e as distâncias entre uma ponta e outra cidade podem ser significativas. No caso do aniversário, o local ficava a uma hora e quarenta minutos da minha casa.
Naquele momento, percebi que eu não queria passar quase duas horas em transporte público. Avaliei a situação e decidi que minha relação com o aniversariante não era forte o bastante para justificar esse sacrifício. Não somente, me convenci de que nosso laço era fraco e, portanto, eu sequer precisaria enviar uma mensagem avisando que não iria mais. Na minha mente, fiz o clássico jogo de transferência de responsabilidade e decidi que “ele nem sentiria a minha falta”.
Eu não fui ao aniversário. Mais tarde, um amigo comentou que o aniversariante havia perguntado por mim.
Descobri um café de jogos de tabuleiro aqui pertinho de casa e, como parte do meu plano para avivar minha vida social, convidei um punhado de pessoas. Depois de confirmar quantas disseram sim, fiz a reserva do espaço.
Nota: estou usando pessoas em vez de amigos tanto para representar o fato de que com algumas delas tenho laços mais fortes do que com outras, quanto para indicar que estou repensando meu uso da palavra amigo, um tema sobre o qual pretendo discutir futuramente.
Uma das pessoas que convidei não foi ao encontro. Trata-se de um rapaz que conheci pelo Grindr, alguém que eu definitivamente consideraria como um laço fraco, e o rolê de jogos seria uma oportunidade de passar um tempo junto e compartilhar experiências. Até agora não recebi nenhuma mensagem dele sobre a ausência, o que me faz pensar que ele talvez imagine que eu não sentiria sua falta.
Para ser sincero, eu também não enviei nenhuma mensagem. Meu lado orgulhoso está gritando dentro de mim que, se ele quisesse ter um laço comigo, ele teria pelo menos me avisado que não poderia ir ou se justificado depois – mas isso é outra vez o clássico jogo da transferência de responsabilidades. Nada me impede de entrar em contato se eu estiver disposto a dedicar tempo e energia para cuidar desse laço.
Lembrei de uma história que já contei inúmeras vezes, sobre como encontrei um apartamento para morar logo que mudei para São Paulo.
Eu estava mudando de Goiânia para São Paulo e por acaso uma amiga estava no mesmo voo que eu, então fomos juntos conversando durante o trajeto. Ela sugeriu que eu procurasse um conhecido em comum, mas respondi a ela que eu não faria isso, pois tivemos quatro anos para fortalecermos nosso laço e nos tornarmos amigos e isso não havia acontecido.
Nota: na época eu ainda acreditava que amizade era fruto de geração espontânea, em vez de um trabalho intencional feito por duas pessoas.
No dia seguinte, caminhando a esmo por São Paulo, cruzei com esse amigo em comum. Conversamos bastante, pois estávamos caminhando para o mesmo lugar, e descobri que o apartamento onde ele morava estava com um quarto prestes a vagar. Nós passamos os quatro ou cinco anos seguintes morando juntos em quatro apartamentos diferentes e viramos bons amigos.
É o que sempre digo: estamos na vida pra pagar a língua e testar limites.
O café de jogos de tabuleiro aqui perto de casa tem um grupo de WhatsApp a partir do qual pessoas podem combinar sessões de jogos. Gostei da ideia, perguntei no grupo sobre o jogo Clank! e encontrei três interessados em jogar na quinta-feira de noite. Combinamos, avisei a loja e reservei o espaço.
Cheguei no horário combinado e comecei a arrumar o jogo. Alguns minutos depois, vi no grupo que dois dos três interessados haviam mandado mensagens. Um deles estava enrolado no trabalho, o outro chegaria com quarenta minutos de atraso. Mais tarde, o moço enrolado no trabalho avisou que não conseguiria ir, e alguém no grupo se dispôs a vir jogar conosco. Jogamos em três.
O último membro do grupo avisou que “surgiu um imprevisto” três horas e quarenta minutos depois do horário combinado. Alguém no grupo, uma pessoa que não estava conosco, respondeu “ainda bem que avisou!” junto com alguns emoji de risada. Eu preferi não responder.
Nessas situações, minha tendência é tomar uma falta como critério absoluto de confirmação de desinteresse na manutenção do laço. Deixo quieto e não peço explicações, mas também não faço novos convites. Por que arriscar com alguém que já faltou comigo antes?
Quero tentar algo diferente. Quero cuidar dos meus laços; não só dos fortes, mas também dos emergentes. Quero experimentar ser a pessoa que convida mais de uma vez, que não guarda rancor, que entende e reconhece que poderia ser eu deixando de ir ou de avisar – que muitas vezes fui eu.
Quero ver o que acontece quando faço e sustento esses convites. Talvez nada mude, ou talvez mude o suficiente para valer a pena. Veremos o que o futuro dirá.
Antes de terminar a carta digital de hoje, um comentário: minha amiga
publicou seu primeiro texto por esses lados e, além de ser uma leitura gostosa, acho que complementa o que estou dizendo por aqui.Com carinho,
Tales
Belo texto. quero ser sua amiga rs :)
Nossa como esse tema mexe comigo! Vejo a mim mesma dizendo “se eu disse que vou, eu vou né”, essa parte de mim tão comprometida 😅. Se eu mudo de ideia, SEMPRE aviso. Ao mesmo tempo, já aprendi que esse é também um reflexo do quanto me impacta quando alguém “muda de ideia” e simplesmente deixa de ir. Ainda é um dos campos onde preciso me esforçar mais no exercício consciente de “não levar pro pessoal”. Reflexo da minha mesma criança interna que não quer que ninguém esteja por obrigação, porque deseja ser amada, vista e valorizada, de uma maneira real e genuína. Equilibrar esse cuidado do que pulsa em mim com a realidade de que “no mundo dos outros pode estar acontecendo tantas outras coisas” é um imenso desafio. É onde a comunicação surge como aliada no cuidado 💛. Quando vc avisa, você me ajuda a lidar com essa criança interna. Me ajuda a que ela não acredite nas mesmas velhas histórias. Acho que já escrevi sobre isso antes, mas me sinto inspirada a refletir um pouco mais. Brigada 😊