Quando fui a um restaurante pela primeira vez desde o início da pandemia, já era 2021. Eu não estava mais 100% em casa: havia começado a fazer natação, às vezes ousava ir ao supermercado e ativamente saía no portão do prédio para receber compras encomendadas por aplicativo. Ainda assim, sentado à mesa, hesitei quando chegou o momento de tirar a máscara.
A máscara, para mim, muito mais do que um item de proteção, tornou-se um símbolo. Nos finais de semana, olhava pela janela e via homens adultos na casa dos cinquenta anos bebendo e rindo e se abraçando, todos com máscara no queixo ou no bolso, em frente ao bar que faz esquina com o prédio onde moro. A máscara, ou talvez a ausência dela, tornou-se um símbolo identificador de quem tem valores sociais diferentes dos meus.
Isso na minha cabeça, é claro. Tenho certeza que essas mesmas pessoas se preocupam com outros seres humanos, mesmo se não com todos nem com os mesmos que eu.
Voltei a pensar sobre máscara ao encontrar um moço que conheci pelo Tinder. Já estávamos conversando havia pelo menos quatro meses e eu estava prestes a tomar a terceira dose da vacina, quando enfim marcamos. Conversamos, caminhamos, conversamos, sentamos no sofá da minha casa, sempre mascarados. Em certo momento, dialogamos sobre o que significaria tirarmos as máscaras, se estávamos dispostos ao risco que traríamos um para o outro se escolhêssemos beijar.
Enquanto reflito sobre isso, me pergunto se os homens no bar conversaram uns com os outros sobre os riscos que estavam assumindo, para eles e para outras pessoas próximas em suas vidas.
Na última semana, vim para a casa dos meus pais em uma praia de Santa Catarina. Caminhei até a areia e passeei pelo calçadão em conflito. Saí de casa sem máscara no rosto, não havia ninguém por perto. Quando cheguei à avenida principal, desviei de alguns grupos de humanos sem máscara. Uma ou outra pessoa aqui e ali protegia o rosto. Cheguei ao calçadão, muita gente indo e vindo, pus a máscara e com ela fiquei durante todo o tempo que fiquei caminhando.
Tanta gente sem máscaras e me peguei pensando: já dá pra tirá-las? Faz sentido ficar de máscara na praia? Faz sentido sequer estar na praia num momento em que quase mil pessoas ainda estão morrendo todos os dias? Sinto-me hipócrita porque decidi que nos próximos dias voltarei à praia, sem máscara, para passear, tomar banho, pegar sol.
Hipócrita não é sentimento, é um julgamento moralizador que sugere que estou fazendo algo errado. Permita-se reformular.
Eu reconheço que estou negociando com a chance de ficar doente e, inclusive, contaminar minha família. Essa é uma negociação que fiz com meus pais, entendendo como eles estão escolhendo vivenciar a praia e a cidade. Sei o que me motiva à escolha de não usar máscara na beira da praia: quero diversão, descanso, alegria.
Olhando de volta para os homens no bar, reconheço todos esses motivos como possíveis razões para que eles estivessem lá também, mesmo ainda antes de haver uma vacina disponível. Era outro momento, sim, mas o princípio é o mesmo: escolher as negociações de risco que queremos fazer para nós e para os outros.
Não há resposta certa.
Se nada acontecer, talvez isso inclusive valide minha ousadia de sair, ver pessoas, fazer mais coisas com outros humanos inclusive sem máscara. Se algo acontecer…
Assim tem sido a vida por aqui :)
Tenho uma novidade no Ninho de Escritores. Estou lançando um projeto novo, chamado Ateliê do Ninho. A proposta é realizar uma oficina literária por e-mail, com foco em escrita narrativa. Se esse formato pode te interessar, te convido a conhecer o projeto e a se pré-inscrever no site do Ninho de Escritores.
A ideia da pré-inscrição é simples: se alcançarmos um número mínimo de pessoas que se comprometam a participar, o projeto ganhará vida. Do contrário, será arquivado e tudo bem.
Se tiver dúvidas, estou aqui a postos para saná-las.
A Carla Soares me sugeriu um texto chamado Laziness does not exist. Se tu entende inglês, recomendo demais a leitura. Se não, um resuminho rápido: em vez de pensar nas pessoas como preguiçosas, que tal se aproximar delas e tentar entender como elas enxergam a vida e que obstáculos as estão impedindo de realizar as coisas que gostariam de fazer? Muitas vezes será falta de confiança na própria capacidade ou dúvida sobre como dar os primeiros passos. Se não entendemos o porquê das ações de um outro humano, isso significa que está faltando alguma informação sobre o contexto dele. Simples assim.
Esse texto me lembrou que compaixão não é só algo pra se praticar quando dá vontade. É também algo que quero colocar em prática quando olho para seres humanos que têm atitudes muito diferentes daquelas que eu gostaria que tivessem.
Há um par de semanas, minha madrasta, que vinha convivendo com as consequências da esclerose múltipla, faleceu. Fui a Porto Alegre para consolar meu pai e tive oportunidade de me aproximar dele e de refletir sobre uma série de experiências do passado. Não tive a infância e relação filho-pai que gostaria e, passando esse tempo com ele, tive a chance de ouvir um pouco sobre como ele enxerga nossa história.
Entrei em férias no trabalho que paga minhas contas. Na próxima semana, poderei descansar da rotina centrada no computador. Estou bem feliz com isso. Voltar a ter liberdade com minha agenda é um dos planos de vida para 2022, para que eu possa dedicar mais atenção para as relações e atividades que me nutrem. Mais sobre isso nas próximas cartas aqui do Olhar de Raposa.