🦊 Disputas olímpicas além dos jogos
Imagens e histórias de identidades em disputa nos Jogos Olímpicos de 2024
Os Jogos Olímpicos são um evento internacional de escala global e reúnem 206 países e territórios. Entretanto, dependendo da fonte de informação, o número de países existentes hoje não passa de 193. A razão para essa diferença está na forma como diferentes instituições reconhecem a legitimidade de certos países.
De acordo com um jornal brasileiro, a lista de países e territórios reconhecidos pelo Comitê Olímpico Internacional, responsável por organizar os Jogos, mas não pela Organização das Nações Unidas inclui os países Kosovo, Palestina e Taiwan, além dos territórios Porto Rico, Ilhas Virgens Americanas, Samoa Americana e Guam (EUA); Ilhas Cayman, Bermudas e Ilhas Virgens Britânicas (Reino Unido); Ilhas Cook (Nova Zelândia); Aruba (Holanda) e Hong Kong (China).
Cada um desses países e territórios tem uma história densa de disputas políticas que apontam para conflitos sobre o reconhecimento de suas identidades. Com base nisso, já temos aqui um retrato poderoso de como o conceito de identidade não é apenas individual, fazendo parte de uma teia complexa de relações entre quem se identifica e o reconhecimento por parte de outras pessoas.
Acredito que identidade é um conceito útil enquanto produz reconhecimento e, com isso, pertencimento. Eu me apresento e identifico como homem gay porque isso me ajuda a encontrar pessoas com movimentos, desejos e experiências de vida semelhantes às minhas. Quando estou com outros humanos como eu, sinto-me parte de algo maior, de um grupo, uma comunidade. É por isso que, além de gay, me identifico como nerd, gamer, escritor, artista.
Contudo, há pessoas que não apenas não reconhecem certas identidades, como também, por quaisquer que sejam suas razões, ativamente tentam eliminá-las ou desacreditá-las. Um exemplo disso foi um espectador removido da plateia durante um jogo de badminton porque estava segurando uma faixa com o nome de Taiwan.
A razão pela qual ele foi removido: a China não reconhece Taiwan como um país, usando sua influência global para retratar Taiwan como uma de suas províncias, a despeito dos clamores taiwaneses por reconhecimento de sua independência. Para ser aceito como participante nos Jogos Olímpicos, Taiwan usa o nome Taipé Chinês.
Os Jogos Olímpicos presentearam o Brasil com uma imagem poderosa: um pódio composto por três mulheres negras com a brasileira Rebeca Andrade sendo celebrada pelas adversárias após ganhar uma medalha de ouro na competição da ginástica artística.

A potência dessa imagem vem não apenas da camaradagem entre as competidoras, algo que representaria o chamado espírito olímpico, mas do quão importante pode ser para mulheres negras verem-se alcançando tamanho reconhecimento em um mundo racista e misógino que frequentemente lhes desvaloriza.
Porém, como o Brasil não é para amadores, o Ministério das Comunicações usou uma versão alterada da imagem para divulgar um dos programas federais de inclusão em informática.

Nem preciso dizer o quanto a repercussão dessa nova imagem foi negativa, sendo considerada no mínimo de mal gosto.
Circulou também na internet um vídeo de Uta Abe, judoca japonesa campeã olímpica que chorou copiosamente após ser derrotada em uma partida. Uma parte da arquibancada dos comentaristas de internet considerou que as lágrimas não tinham lugar no espaço público e que desonram tanto a esportista quanto o esporte como um todo, já que o judô, enquanto arte marcial, preza pelo autocontrole.

Ainda nos esportes de combate, a boxeadora Imane Khelif tornou-se o centro das atenções após alegações de que ela não deveria poder competir junto a outras mulheres no boxe.
Khelif, que ganhou o ouro no esporte, em 2023 foi impedida de participar do Women's World Boxing Championship (em inglês) por causa de um “teste de gênero” que a teria identificado como não sendo uma “mulher de verdade”. A instituição responsável pelo teste até hoje não explicou seus critérios de forma convincente, mas o questionamento foi suficiente para incendiar os esgotos da internet com discussões sobre a participação de pessoas trans nos Jogos Olímpicos – mesmo que Khelif não seja uma mulher trans.
Porém, já que estamos falando sobre pessoas trans nos esportes, esta matéria da BBC traz uma discussão interessante sobre o tema.
Uma parte considerável das discussões sobre quem pode ou não participar dos Jogos Olímpicos passa pela questão de quais critérios e condições tornam as disputas “justas” e significativas. Coloco “justas” entre aspas porque atletas olímpicos normalmente são exemplos de excepcionalidade não apenas em termos de habilidades, mas também de condições físicas e genéticas que facilitam suas conquistas.
Para citar um exemplo simples, pelo menos 20 dos jogadores de basquete competindo nas Olimpíadas deste ano têm 2,11m ou mais de altura – e não há treinamento suficiente no mundo para que pessoas cresçam desta forma.
Ou seja, por mais que habilidade seja oficialmente o fator central da disputa, diferenças genéticas interferem nos resultados para muito além do que as conversas sobre pessoas trans ou cis parecem sugerir.
Enquanto no tópico de corpos, diferenças genéticas e resultados olímpicos, o atleta francês Anthony Ammirati falhou em uma prova de salto com vara porque seu pênis derrubou a trave.
Quando eu soube dessa ocorrência, a fofoca veio acompanhada de uma narrativa sobre ele na verdade ter feito isso de propósito para divulgar seu Only Fans. Não acredito que seja verdade – mas se for, parabéns a ele pela habilidade e autocontrole necessários para tamanha precisão.
Inclusive, ofereço aqui meu apoio para que o salto com vara na vara se tornar um esporte olímpico.
🦊 Recomendações da raposa
Gostaria de finalizar a carta digital de hoje com duas recomendações:
Um texto do
sobre estrangeiros (não) se sentindo pertencentes ao Japão (Not Belonging in Japan, em inglês).Dicas para pessoas que viajam sozinhas, especialmente mulheres e LGBTQ+ (em inglês).
Muito obrigado pela leitura!
Com carinho,
Tales
While I cannot read your text, thanks for showcasing my article about the incident involving judoka Uta Abe.