Estávamos no carro voltando para a casa do meu padrasto. Quando via um sinal prestes a fechar e achava que daria tempo, ele acelerava e passávamos. Eu tinha pressa, em poucos minutos começaria o último episódio de Sailor Moon, e só quem assistiu animes dependendo da programação de televisão aberta sabe o quanto podia demorar até que um episódio específico passasse novamente.
Num dado momento, paramos em um sinal já vermelho, mas o carro da frente seguiu em frente. Um outro carro vinha pelo cruzamento e por pouco não bateram um no outro.
“Quem causa acidente é o meio louco”, meu padrasto disse. Em outras palavras, não é quem vai e toma uma atitude imprudente, mas quem hesita no meio do caminho.
Desde aquele dia, carrego comigo a crença de que a causa de acidentes é a hesitação
Tive um mestre de aikido que dizia que devíamos praticar do mesmo jeito que gatos se movem. Talvez não tenha sido no dojo e sim em um livro sobre zen budismo que encontrei essa ideia, mas o importante é o convite: agir e viver do mesmo jeito que um gato se mexe.
O gato está lá parado, vê alguma coisa, se ajeita mas ainda meio parado, e aí de repente está em movimento e cheio de intenção. O gato se move para chegar lá, ele não hesita, só vai.
(Estou lembrando de vários vídeos na internet em que os gatos são interrompidos e se assustam com algo no caminho, mas vou fingir que eles não existem porque gosto dessa lembrança e acho que ela combina bem com o texto.)
Caminhar pelas ruas de Tóquio só funciona para quem, como os gatos e motoristas ousados, não hesita. Para ir à escola, atravesso um cruzamento que está sempre cheio de pessoas. Enquanto sigo reto, elas passam na perpendicular. Eu não paro, elas não param, cada um ajusta a velocidade para não passar por cima de ninguém e o fluxo funciona.
Há dois anos, no meu primeiro dia em Shinjuku, eu parava a cada meio metro para dar espaço às outras pessoas. Estava chovendo, eu não tinha certeza do caminho e todo mundo carregava guarda-chuvas grandes e transparentes. Ao meu redor, eu percebia os olhares de reprovação por estar parando e interrompendo o fluxo a cada instante.
Hoje em dia, sempre que atravesso um cruzamento, com guarda-chuva ou não, torno-me um gato. Decido aonde quero ir e vou, desviando e ajustando enquanto caminho. Às vezes penso o que aconteceria se eu simplesmente parasse, mas temo que isso rasgaria o tecido social do Japão.
Com carinho,
Tales