Na cerimônia do Oscar, Chris Rock fez piadas sobre Jada Pinkett, esposa de Will Smith, e este subiu ao palco e deu um tapa no apresentador do evento.
Eu não assisti à cerimônia, mas vi alguns vídeos, textos e posts no Instagram a respeito do ocorrido. Fiquei pensativo sobre esse evento e quero considerar aqui alguns elementos.
O ato de olhar para um fenômeno ou evento visual, e portanto interpretá-lo, demanda uma reflexão sobre as posições que estamos assumindo para fazê-lo. Para esse exercício, gostaria de propor uma série de lentes que influenciam o que e como percebo, sinto e penso sobre o que vi.
Lente da não-violência
O que consideramos mais violento, ser colocada como alvo da piada de um homem em um evento transmitido para milhões de pessoas ou receber um tapa no rosto nesse mesmo evento? A violência é maior quando é física?
Lente do machismo
Que direito um homem tem de fazer piada de uma mulher num evento como o Oscar? Será que ela precisava mesmo do marido para “defender sua honra”?
Lente do racismo
Um homem negro faz troça de uma mulher negra – essa posição social duplamente minoritária – e mesmo quando um homem negro (Will Smith) ganha um Oscar, o destaque da narrativa vai para o tapa. As pessoas negras envolvidas nesta situação existem apenas para a diversão da audiência branca?
Lente da lesbo/homo/trans/queerfobia
O evento das piadas e do tapa ofuscou a premiação de Ariana DeBose, primeira pessoa queer negra a ganhar um Oscar. O que poderia ser um tópico de celebração acaba sendo tratado de forma secundária. A única outra pessoa queer a receber um Oscar foi Tilda Swilton, em 2007.
Lente do entretenimento e engajamento
Conflito gera likes, ainda mais quando capturado claramente em imagens. O tapa virou assunto por conta da distribuição viral que a surpresa produz. O que estamos escolhendo considerar importante? Será esse o assunto mais relevante que temos a tratar neste momento?
Lente do poder (classe)
Jada Pinkett, Will Smith e Chris Rock são ricos. A despeito de todo o sofrimento que pode ter surgido por esse evento – inclusive pelo fato de ser televisionado para o restante do planeta – todos os três têm recursos financeiros para cuidar de suas aflições. Embora isso não signifique desmerecer suas experiências, o que foi vivido nesta situação tem muito pouco impacto na realidade das milhões de pessoas que não gozam dos mesmos privilégios e acesso econômico.
Qual a melhor lente?
Nenhuma análise de um fenômeno ou evento visual jamais será completa. O que precisamos cuidar é quais posições assumimos e em quais colocamos as pessoas e situações que estamos analisando. Quais narrativas estamos escutando, quais estamos ignorando, quais estamos distorcendo?
Para mim, hoje, a lente que mais importa é: há algo desta situação que posso usufruir para viver melhor – com mais compaixão, lucidez ou leveza? Há algo que eu possa aprender ou ensinar e cujo impacto resulte numa vida melhor para mim e para as pessoas que conheço e que quero bem?
Essas são algumas das minhas lentes e eu adoraria saber um pouco mais sobre as tuas, para entender como tu enxerga o mundo.
Obrigado!
Com carinho,
Tales