Tem uma anedota zen budista em que um pupilo procura o mestre para perguntar sobre seu treinamento espiritual. O mestre pergunta: “você já comeu?”. O monge pupilo responde: “já!”. O mestre diz: “então lave a louça”.
O zen propõe a experiência direta da vida, livre de conceitos e interpretações mediadas pela mente julgadora.
Por esses dias, em que reli dois livros sobre zen (O livro de ouro do zen e O que é zen – comprar por esses links me reverte uma porção do que for gasto), tenho buscado conscientemente estar mais presente no que quer que eu esteja fazendo. Algo como uma meditação ativa.
Com este intento, parei-me a lavar a louça. Esfrega, molha, pensei na janta. Voltei a atenção para a louça, pensei numa coisa que minha gerente falou mais cedo. De novo retornei à sensação da água gelada, me peguei pensando sobre a água estar gelada, fugindo de novo da experiência que não precisa de palavras para entender o frio do gelado. Lavei pratos, copos e talheres nesse vai e vem entre estar presente e perceber a mente a transitar.
Para voltar ao presente, tenho usado a respiração como âncora. Respiro 4-4-8 (inspirar por 4 segundos, segurar por 4 segundos, expirar por 8 segundos) e foco em controlar o fluxo de ar como maneira de ancorar ao que está acontecendo, porém ciente que isso também é um mecanismo que está me tirando da experiência concreta (de atenção plena). Por ora, é tão perto quanto consigo chegar quando não estou em estado de fluxo.
Sigo investigando modos de estar aqui enquanto vivo.
Aceito dicas e sugestões.
Um poema
A queridíssima Silvia Schulz me mandou um poema que achei tocante e quis compartilhá-lo. Neste link é possível vê-lo recitado em inglês por uma moça que fala de sua experiência de encontro com o poema, morando no Brasil. Recomendo escutar, nem que seja para sentir o ritmo. Por causa da referência ao Brasil, supus que haveria uma versão em português e encontrei-a aqui.
Para poupar a viagem, coloco-a aqui.
Uma certa arte – Elizabeth Bishop (tradução de Nelson Ascher)
A arte da perda é fácil de estudar:
a perda, a tantas coisas, é latente
que perdê-las nem chega a ser azar.
Perde algo a cada dia. Deixa estar:
percam-se a chave, o tempo inutilmente.
A arte da perda é fácil de abarcar.
Perde-se mais e melhor. Nome ou lugar,
destino que talvez tinhas em mente
para a viagem. Nem isto é mesmo azar.
Perdi o relógio de mamãe. E um lar
dos três que tive, o (quase) mais recente.
A arte da perda é fácil de apurar.
Duas cidades lindas. Mais: um par
de rios, uns reinos meus, um continente.
Perdi-os, mas não foi um grande azar.
Mesmo perder-te (a voz jocosa, um ar
que eu amo), isso tampouco me desmente.
A arte da perda é fácil, apesar
de parecer (Anota!) um grande azar.
(Elizabeth Bishop)
(Do livro ASCHER, Nelson. Poesia alheia. 124 poemas traduzidos. Rio de Janeiro: Imago, 1998.)
Um pedido
Fico sempre muito feliz quando recebo referências de artes, livros, filmes, histórias e pessoas para conhecer. A Silvia, que me mandou esse poema, com frequência compartilha coisas comigo que fazem meus dias ficarem mais poéticos. Se tu tiver coisas bonitas, espantosas, criativas ou curiosas para compartilhar, manda pra mim por e-mail?
Uma imagem - Arcadia, Thomas Eakins, 1883
Esta pintura e muitas outras estão disponíveis em alta qualidade no site do Met Museum (em inglês).
Muito obrigado pela leitura e boas-vindas às 2 pessoas que se juntaram à newsletter desde a última mensagem!