Sábado passado, visitei um parque novo nos arredores de Tóquio.
Eu tinha um evento planejado para o fim da noite, mas ele foi cancelado, então decidi sair de casa e procurar um rio. Eu queria estar perto de água, algo que sinto falta com frequência vivendo no meio de Tóquio.
O parque era uma graça, localizado em uma região menos movimentada do que estou acostumado. Vi pessoas fazendo piquenique, pescando no lago, correndo…
Acabei não encontrando o rio, mas me dei por contente com o lago. Caminhei bastante, peguei um solzinho, depois decidi entrar em um café e comer alguma coisa.
No café, pedi um chocolate gelado e um sanduíche.
A taça de chocolate veio bem cheia, então derramou um bocado sobre a mesa quando coloquei o canudo. Envergonhado, chamei um garçom para me ajudar. Ele levou meu copo, voltou com um pano para limpar a mesa, depois trouxe de volta meu chocolate refeito.
Desse ponto em diante, ficamos trocando olhares. Ele passava pelo corredor, me olhava e sorria. Eu sorria de volta, meio envergonhado, meio contente, tal qual um adolescente.
“Você é bonito”, ele me disse em um dos momentos que passou pela minha mesa.
Ele, um rapaz japonês, numa impressionante demonstração de iniciativa, voltou à minha mesa e me entregou um papel com seu número de telefone. Eu, que não tinha aonde enfiar minha vergonha, só conseguia sorrir abobado.
Na época da faculdade, tive um professor que chamava a nós, estudantes de primeiro ano, de abobados da enchente. Esse era só mais um termo dentre os muitos que aprendemos com ele, mais uma de suas esquisitices que muitas vezes beiravam o assédio moral.
Neste momento, Porto Alegre, minha cidade natal no sul do Brasil, onde passei meus primeiros 20 anos de vida, está inundada com a maior enchente da história registrada da região.
Como pode, ao mesmo tempo, no mesmo planeta, pessoas viverem encontros bonitos num café enquanto outras estão abandonando suas casas às pressas e perdendo tudo?
Minha família e meus amigos estão vivos e razoavelmente seguros. Alguns enfrentam racionamento de água e acesso limitado a energia elétrica e internet, porém continuam em suas casas e têm conseguido tocar a vida de algum jeito.
Milhares de pessoas não podem dizer o mesmo, recorrendo a abrigos temporários e encontrando o melhor da humanidade, na forma de ajuda voluntária, junto com o pior que podemos oferecer, com abusos e assaltos inclusive contra os voluntários.
Uma amiga minha disse que finalmente entendeu a expressão abobados da enchente ao ver as pessoas circulando pela cidade meio sem saber o que fazer, como reagir, apenas olhando, pensando, sentindo…
Aqui, do outro lado do planeta, vejo as fotos e me dói vê-los sob a água. Converso com minha família e amigos e torço para que se cuidem, para que nada pior venha a acontecer com eles enquanto a água não baixa.
Para ajudar as pessoas da cidade e do Estado, inúmeras pessoas e organizações têm se movimentado. A
juntou uma lista de recursos aqui, e recomendo dar uma olhada. Se não dinheiro, então água, informação, colchões etc.Obrigado pela leitura.
Com coração pesado,
Tales
amigo... i am speechless.
seguimos.