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Nesta semana fiz uma colonoscopia.
Minha primeira experiência com o exame foi como acompanhante, anos atrás, quando um então namorado meu precisou investigar seu eu interior com o auxílio da medicina moderna. Ele saiu da sala médica completamente grogue, com as pernas bamboleantes e uma fome insaciável. Na época demorei a achar engraçado porque estava ocupado evitando que ele caísse.
Haha, risco de queda!
O pior da colonoscopia não é ficar grogue, mas preparar-se para o exame.
Depois de consultar a disponibilidade do laboratório e a minha agenda de trabalho, marquei para uma terça-feira às 16h16. Alguém me sugeriu que eu deveria ter marcado para o início da manhã, mas havia reuniões pela manhã e não considerei desmarcá-las. Teria sido melhor.
A preparação começa dois dias antes, evitando grãos. No dia anterior ao exame, as coisas complicam: a dieta só pode incluir bebidas claras e comidas leves como sopas, arroz, macarrão sem molho e pão. Comer com limitações, até tudo bem. O chato foi tomar laxante e passar o dia visitando o banheiro. No dia do exame, então, pude consumir apenas líquidos (até seis horas antes do horário marcado) enquanto continuava tomando laxativos, o que tornou minhas viagens ao banheiro ainda mais desagradáveis do que já vinham sendo.
Quando cheguei ao laboratório, me colocaram uma pulseira amarela que dizia: risco de queda.
Olha, eu tenho risco de queda!
Dali pra frente, a memória começa a falhar um pouco, em grande parte por causa do sedativo que me aplicaram, então vou contar as partes que recordo. Depois de passar pela recepção, me deram um questionário imenso para responder. Quando cheguei à sala de espera do exame, já me chamaram, mas como eu não tinha o questionário pronto, tive que aguardar mais de trinta minutos até me chamarem de novo. Fiquei irritado porque não enviaram o tal formulário antes por e-mail. Entrei para uma sala de preparação para o exame, tirei calça e cueca, botei um avental azul que fica aberto por trás e passei um tempo considerável tentando decidir se eu ficava de tênis ou descalço. Fiquei de tênis porque não queria pisar no chão gelado.
Entrei para a sala do exame, a enfermeira perguntou de onde eu era, conversamos amenidades, o médico chegou, a enfermeira espetou meu braço uma ou duas vezes até achar minha veia, reclamei que doeu, senti algo entrando, parecia que estava preenchendo os dedos da mão. Em seguida ela pediu para que eu virasse de lado na maca e segurasse uma barra (…) aí eu estava vendo minhas entranhas numa televisão (…) e caminhando rumo ao shopping para comer alguma coisa.
O lugar do cuidado
A experiência da colonoscopia foi bacana e curiosa, mas não é ela em si que quero compartilhar.
Na segunda-feira, depois de um dia cansativo de trabalho, Ayrton chegou em casa, foi ao mercado e me preparou uma sopa gostosa dentro das especificações do que eu podia comer. Fez também gelatina, algo que aqui em casa só eu como. Se dependesse de mim, provavelmente comeria pão (como fiz no café da manhã), arroz com sal (como fiz no almoço) ou bolachas água e sal (como fiz de tarde).
Na terça-feira, ele tirou folga, antecipou o horário de levar a gata na veterinária para tirar os pontos da castração, depois foi comigo ao laboratório. Enquanto estávamos lá, aguentou meu mal humor causado pela fome e pela espera. Quando saí do exame, me vestiu e me escutou falando para as enfermeiras que eu tinha risco de queda. Sentou comigo e meu deu bolachinha e chocolate quente enquanto esperava o efeito do sedativo diminuir o suficiente para que pudéssemos ir embora. Conforme caminhávamos rumo ao shopping para jantar, foi guiando e sustentando meu ritmo cambaleante enquanto eu repetia minhas indignações – a enfermeira me picou!, o médico era homem!, o questionário devia ter sido enviado por e-mail! – e meus gracejos – eu tinha risco de queda!
Se ele não estivesse ali, meu risco de queda teria sido muito maior.
Alguns dias depois, enquanto comia minhas torradas com suco de laranja no café da manhã, observei-o cortar duas mangas e colocar num pote. “Se eu não corto, ninguém come” ele disse algumas vezes essa semana. Não está errado, pensei enquanto mordia um pedaço de manga (delicioso, inclusive).
Se ele não estivesse ali, eu teria perdido a oportunidade de reconhecer – outra vez – como amor e cuidado são coisas cotidianas, resultado não só de querer bem, mas de fazer bem. 💕
Algumas coisas que vi por aí 🦊
Li a
contar trechos cotidianos com uma leveza bonita e celebrei a vitória sobre o convite da cafeteira elétrica:A
conta sobre dopamina e varais de roupa, e achei bonito e poético:A Colibri, empresa focada em comunicação não-violenta, está com um curso fantástico sobre lidar com conflitos. Chama TRETA e tem tudo para ser incrível – aprecio e confio no trabalho do Sérgio, que está à frente da criação e facilitação do curso, então recomendo sem nem pensar duas vezes. Inclusive me peguei pensando em fazer também.
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O Substack me indicou um texto da
sobre tomadas, ursos e natureza. Curti muito o estilo e recomendo a leitura:A
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Muito obrigado pela leitura. Se algo te tocou, que tal deixar um comentário ou uma curtida?
Com carinho,
Tales
Olhar de Raposa 🦊 #88
Ah que delícia. Obrigada pela indicação.
"Se ele não estivesse ali, meu risco de queda teria sido muito maior." Bonito demais.
tem lições do Ninho que eu uso no meu dia a dia até hoje. vc é um excelente professor ☀️ to feliz na que vc vem na oficina, minha chance de tentar retribuir aquelas tardes ótimas no chão de taco, escrevendo, indo pra rua e discutindo texto ❤️
amei ler sobre tua colonoscopia - quem diria que essa frase seria um dia escrita hahahahahahaha abraços pra vc e Ayrton