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Em 2014, quando mudei de Goiânia para São Paulo, estava decidido a recomeçar a vida num lugar novo sem emprego e quase sem amigos. Digo quase porque havia pelo menos três pessoas que eu conhecia, embora uma delas não estivesse nos meus planos para a vida nova.
Foi um tanto engraçado, conheci esse amigo ainda em Goiânia e em várias ocasiões nos encontramos. Nossos círculos de amizades eram os mesmos, então não foram poucas as vezes em que estivemos no mesmo lugar ao mesmo tempo. Ainda assim, eu não descreveria nossa relação como amizade. Era um conhecido, alguém que trilhou caminhos semelhantes, mas que eu não via tendo um papel ativo em minha vida.
Mas é a quela coisa, né, a gente está na vida para testar limite e pagar a língua.
No avião de Goiânia para São Paulo, tive a sorte de compartilhar o voo com uma amiga. Enquanto conversávamos, ela me sugeriu procurar esse moço. Eu disse a ela: “nós tivemos quatro anos para virarmos amigos e isso não aconteceu, não vou atrás dele, não faz sentido”.
No dia seguinte, encontrei com ele por acaso na Avenida Paulista. Duas semanas depois, estávamos morando juntos. Quatro anos depois, vivemos várias aventuras e compartilhamos diversos apartamentos aqui em São Paulo.
Testar limite e pagar a língua – mas não era sobre isso que eu queria falar na carta de hoje.
Em 2014, quando mudei para São Paulo, eu sabia que precisaria “começar a vida do zero”. A verdade é que nunca é do zero, mas todo deslocamento para um lugar até então desconhecido nos obriga a rearticular nossas rotinas e relações, já que o deslocamento geográfico bagunça tudo o que estava estabelecido até então.
Na época, reconheci que precisaria agir ativamente para construir uma vida em São Paulo que cuidasse das minhas necessidades. Por isso, escrevi uma lista de propostas para mim mesmo e a publiquei em meu blog pessoal. A seguir, compartilharei esse texto.
Meus objetivos para 2014
Em 2014 resolvi trocar minha vida segura em Goiânia (namorado, empregos, amigos) e mudar para São Paulo, onde buscarei os caminhos necessários para chegar até onde desejo. Tenho nas mãos um projeto mais ou menos esboçado: escrever até não poder mais, conhecer pessoas interessantes pelo caminho e eventualmente chegar lá. Se tudo der certo, esta será uma história sobre alguém que alcançou os seus sonhos.
Decidi montar esse site porque escrever é o que me mantém caminhando, mas não só por isso. Aqui farei o registro dos meus percursos, tentativas, acertos e, principalmente, equívocos. Dentro de alguns dias estarei em uma cidade nova, sem perspectiva de emprego ou sequer de um lugar para morar. Pela primeira vez na vida, porém, a vontade de viver de escrever está sendo maior do que o meu medo de perder o controle sobre a vida.
Conhece-te a ti mesmo
Algumas pessoas parecem nascer já com uma disposição incrível de enfrentar desafios, abandonar zonas de conforto e perseguirem seus sonhos. Eu nunca fui assim, sempre achei desculpas, me agarrei a problemas e receios, qualquer coisa que pudesse me proteger das incertezas do mundo.
Aos poucos fui aprendendo e hoje eu sei: não sou uma pessoa espontânea. Algumas coisas a gente simplesmente tem que aceitar sobre nós mesmos. Eu queria ser extrovertido, saltitante, colorido, cheio de ideias brilhantes que nascem de um segundo para o outro. Não sou. Ainda não, pelo menos.
Eu sou regradinho, cheio de mimimis para tudo o que eu faço. Quando decido algo, é bem difícil me convencer do contrário. Teimosia pura. Aí me pergunto: como associar minha rigidez a esse desejo de ser mais espontâneo? Aproveitando o novo ano que está começando, resolvi montar uma lista de objetivos.
Planejando o que queremos
A coisa mais comum na vida é não sabermos o que queremos. São tantas opções e necessidades ao mesmo tempo que, muitas vezes, a gente simplesmente vai seguindo. Se você é como eu, provavelmente não se sente muito tranquila frente a ter que escolher (o tempo inteiro!) o que deseja para si.
Ainda assim, nós sabemos, sentimos que tem algo fora de eixo. No final de cada ano, fazemos uma lista de objetivos que queremos cumprir, mas quase sempre vemos o ano seguinte chegar sem que eles tenham sido realizados. Por que isso acontece? No geral, porque planejamos errado os nossos objetivos.
Escrevemos lá em nossa listinha: sair mais, ser mais amigável, ser menos pessimista etc. São bons objetivos, com certeza, mas têm um problema. Quando você sabe que os alcançou? O grande problema é que a lista é composta por desejos, não por ações, e nossos desejos mudam tanto e o tempo inteiro que nunca sabemos se cumprimos ou não o que queríamos antes.
Por isso, uma boa lista de objetivos (de ano novo, de vida etc.) é feita de ações. Nós temos plenas condições de saber se uma ação foi ou não realizada, se deu certo ou não. Uma ação é uma unidade de tempo que podemos analisar, tentar repetir, tentar não fazer nunca mais. Sair mais é algo misterioso, inexplicável. Sair uma vez por semana é muito mais palpável e pode ser marcado com um simples visto em um calendário.
Com isso em mente, resolvi preparar uma lista para orientar minha vida nos próximos meses.
Os meus objetivos para 2014
Nenhum tópico da minha lista é definitivo. Quero aprender com o andar da carroça e ir descobrindo o que a vida me oferece experiência após experiência. Esses objetivos vão orientar minha vida em São Paulo nos primeiros dias, semanas ou meses, mas não faço ideia de até quando pretendo segui-los.
Escrever diariamente
São Paulo é para mim o momento de me dedicar à expressão literária. Para isso, uma coisa é certa: preciso produzir. Com frequência me vejo enrolando, procrastinando, arranjando mil motivos para fazer depois o que tenho desejo de fazer hoje. Ou deixando para depois o que não estou mesmo a fim de fazer hoje.
Não importa, quero escrever sempre e pegar o hábito de produzir literatura. Não entendo o ato de escrever como uma inspiração mágica e divina, mas sim como um ofício, um trabalho artesanal/artístico. Somente trabalhando consistentemente conseguirei alcançar esse objetivo, por isso a proposta de escrever diariamente é o primeiro item da minha lista de objetivos.
Conhecer, conviver e cativar escritores, editores e demais envolvidos no meio literário
Dizem que escrever é um ato solitário. Acho que sim, pelo menos na maior parte das vezes. Precisamos cavar lá no fundo para encontrar maneiras de nos conectarmos com as outras pessoas através das letras.
Fora isso, não há motivos para ficarmos enrolados em nós mesmos. Seres humanos precisam de convivência e escritores não são diferentes. Quero conviver com pessoas que passem por situações semelhantes às minhas, ou seja, que experimentem cotidianamente o prazer e a dor de criar, editar e publicar.
Além disso, o mercado editorial é um mercado. Conhecer pessoas que possam me abrir portas, recomendar ou lembrar minha existência é essencial se eu desejo ser publicado para, finalmente, ser lido. Isso é um pouco interesseiro da minha parte, mas também muito prático e consistente com os meus objetivos.
Participar de eventos e cursos sobre escrita
São Paulo é um paraíso para pessoas interessadas em cultura ou em produzir cultura. São cursos todos os meses, eventos reunindo gentes com gostos semelhantes. Eu quero isso na minha vida, como disse no item anterior: quero encontrar outras pessoas que vivam processos parecidos com os meus. Que lugar melhor do que cursos e eventos que envolvam esses interesses?
Os cursos me interessam em especial porque não acredito que um escritor deva aprender seu ofício sozinho. É possível? Sim. Ao mesmo tempo é uma grande perda de tempo, já que outras pessoas encontraram antes desafios semelhantes e propuseram soluções. Por que ignorar esses aprendizados? “Originalidade”? Sem conhecer as soluções passadas, são maiores as chances de apenas repetir uma solução que alguém já propôs antes.
Publicar
Simplesmente escrever e não mostrar para ninguém é quase o mesmo que não escrever nada. Adianta ter um baú de textos maravilhosos descoberto anos depois de haver morrido? Meu receio de mostrar aos outros minha produção – por medo de crítica, autocrítica etc. – só serviu até hoje para me prejudicar.
Um dia vi um livro de um cara mais novo que eu. Achei ruim o texto, a história, a proposta, tudo. Pensei que poderia fazer melhor. Meu lado cruel não perdoou: mas não fiz. Desde então está muito claro para mim: não existe isso de esperar o momento certo. Amanhã meu texto será melhor do que hoje, sem dúvida, mas se eu quero publicar, preciso começar.
Hoje tenho participação em três livros de contos, o que me deixa supercontente e inspirado para tentar publicar mais. Comecei com passos curtos, logo chegarei a ter um livro só meu, contos, romance etc. Entretanto, isso só vai acontecer se eu publicar.
Ser honesto com tudo e todos
Esse é um dos objetivos mais difíceis da lista. Escrever todos os dias? Beleza, arranjo uma horinha fácil. Participar de eventos? Tranquilo, geralmente são gratuitos. Cursos? Eu trabalho pra pagar. Ser honesto? É difícil porque implica me colocar no mundo e de vez em quando dizer não.
Sou péssimo em dizer não, acostumei a deixar as coisas seguirem porque sempre é mais fácil seguir o curso do rio do que nadar por conta própria.
Ser honesto com tudo e todos, portanto, é uma tentativa radical de mostrar ao mundo (e a mim) o que eu realmente penso das coisas. Não será fácil. Aqui mesmo, escrevendo, escrevo e apago em seguida as coisas que não quero que o mundo saiba que eu penso.
Ser sincero é um desafio.
Assumir meus desejos
Se vou dizer o que penso, também é hora de achar o que eu quero na vida e deixar isso claro. De um modo amplo, ser um escritor famoso já responde genericamente a esse objetivo, mas quero mais que isso. Quero que minhas roupas reflitam quem eu sou, quero que minha casa seja o lugar em que as pessoas dizem sem sombra de dúvida “O Tales só poderia morar aqui!”.
Hoje eu não me reconheço no que visto nem onde moro. Meu apartamento não tem vida, minhas roupas não têm personalidade. Isso só pode significar que eu também não, algo que cansei de deixar acontecer.
Parar de dizer que tenho medo/receio
Eu reclamo demais das coisas que me assustam. É uma mania que tenho: para tudo eu digo “o meu medo é que…” ou “morro de medo de…”. Ter medo é bom e nos ajuda a evitar riscos? Sim, sem a menor dúvida. Ficar chorando o tempo inteiro por isso, não.
Portanto, estou proibindo a mim mesmo de ficar nomeando meus receios. Eu sei que eles estão aqui, vou levá-los em consideração para os meus planos, mas não concentrarei minhas energias em cima deles. Simples assim: vou fingir que não me importo com eles não falando deles.
Já que aquilo que falamos molda a maneira como vemos a realidade, quem sabe eu não desenvolvo uma postura mais positiva daqui para frente?
Excluir a monogamia das minhas relações
Depois dos meus últimos relacionamentos afetivos, descobri que não gosto de sentir-me preso. Não se trata necessariamente de sair pegando geral na balada, mas sim de reconhecer que o desejo de estar com uma pessoa não é critério para não sentir (e realizar o) desejo por outras.
A realidade é que não quero me conformar em relacionamentos que limitem minhas opções. Quero ter certeza de que um namoro (monogâmico) é baseado em estar só com uma pessoa porque eu verdadeiramente quero isso e não porque as regras do relacionamento obrigam que seja assim. Quero destruir qualquer possibilidade de ciúme, essa praga nas relações humanas.
Quero amar porque sinto amor, não porque é minha obrigação de namorado.
Cozinhar um prato novo 1x por semana
Há pelo menos um ano venho falando em aprender a cozinhar. Enrolo, vou e volto, mas nunca efetivamente o faço. Por isso coloquei isso nos meus objetivos: quero cozinhar, quero ser o cara que vai pra cozinha e inventa algo gostoso.
Portanto, uma vez por semana vou tentar cozinhar algo que nunca fiz antes, seguir uma receita, inventar, não interessa. A única coisa que importa é realmente fazer. Tá, também ajuda ficar gostoso, mas não é uma obrigação…
Sair com amigos 1x por semana
Eu gosto de encontrar meus amigos. Acho espantosa a minha capacidade de ficar semanas sem procurá-los. Não que eu não aprecie estar sozinho no sofá com um chá e um livro, mas também quero estar entre pessoas que me façam bem.
Da janela do meu apartamento em Goiânia sempre vejo um bar com mesas na rua. Toda noite ele fica lotado de pessoas e eu fico em casa pensando em como é fácil ser feliz. Pensando, mas não agindo ou sendo.
Coloquei o objetivo como uma vez por semana, mas na verdade é pelo menos uma vez. Sinto falta de estar entre pessoas, por que não fazer isso acontecer?
Conhecer um lugar novo 1x por semana
Esse será muito fácil no início, mas depois complicará um pouco. Dane-se, é São Paulo, e se não for São Paulo, viajo em busca de outros espaços.
Sou uma pessoa muito acomodada, almoço quase todos os dias em casa ou nos mesmos dois ou três restaurantes. O hábito é confortável para mim, mas acrescenta muito pouco à vida. Sim, eu conheço melhor certos lugares – de alguns sei o cardápio de memória – e até os donos e garçons, mas fico muito limitado quando preciso pensar em outras coisas para fazer que não as mesmas de sempre.
Museu, restaurante, parque, bar, boate, loja, não interessa: basta que seja um lugar novo ao qual eu esteja indo com a intenção de conhecer um lugar novo. Ou seja, não vale simplesmente entrar em qualquer lugar e dizer “oba, consegui!”. Até porque não é como se eu não fosse perceber que estou me enganando…
Ler um livro 1x por semana
Sou um escritor e gosto de ler. Tudo o que eu preciso é de uma biblioteca e um lugar para sentar confortavelmente enquanto leio. Se não for em casa, vou para livrarias, não sei. Ler é um prazer do qual frequentemente fujo por causa da internet, que me consome tempo demais.
Se eu ler um livro por semana, até o ano findar terei lido 52 obras diferentes. Acho um número bem bacana e certamente muito maior do que a média nacional. Não acredito que uma pessoa precise ler todos os clássicos e livros famosinhos do momento, então minha preocupação é mais estar em contato com a literatura do que estar por dentro de tudo o que existe no mundo.
Esse será um objetivo fácil e gostoso de cumprir.
Esse texto foi compartilhado logo antes de eu chegar em São Paulo. Naquela época, o Ninho de Escritores ainda não era uma ideia, eu estava a dois meses de entrar em um relacionamento monogâmico que durou quatro anos, e ainda hoje continuo querendo cozinhar, sair e me relacionar mais. Reencontrar esse texto depois de tantos anos me mostra consistência e, ao mesmo tempo, o quanto fui capaz de alcançar desses pontos todos. De alguma forma, sinto-me feliz. Ainda estou caminhando em direção à vida que gostaria de viver – mas me sinto mais próximo de ser quem gostaria de ser do que me sentia em 2014.
Em 2024, pretendo migrar para Tóquio.
Em alguma medida, todos esses objetivos continuam valendo. Inclusive, o finzinho do texto de 2014 ainda vale para hoje, e é com ele que terminarei a carta de hoje.
Essa lista não é só minha
Eu escrevi antes, mas não custa repetir: essa é uma lista inicial e não cristalizada.
Ela está aqui para mais ou menos regular minha vida nos dias futuros, mas se eu sentir que ela está me limitando demais ou me deixando desconfortável, então será o momento de mudar alguns de seus termos. Certamente há outras coisas que deveriam entrar na lista de objetivos, mas ainda não consegui formular. Sem dúvida acrescentarei propostas conforme a vida caminhar.
Além de tudo, meu interesse não é passar por isso tudo sozinho. Esse site é exatamente sobre isso: meu interesse em compartilhar e aprender em conjunto com vocês, leitoras.
Por isso, pergunto: quais são os seus objetivos de vida (ou de 2014, ou do próximo verão…)? Que táticas você usará para fazê-las acontecer?
Deixe um comentário pra gente continuar conversando!
Com carinho,
Tales
Olhar de Raposa 🦊 #89
Saudades de você... quero replay do curso de escrita compassiva! Não tenho o hábito de escrever meus planos em uma lista organizada e bem explicados. Geralmente uso tópicos que mais parecem códigos. Talvez uma herança de quando era criança/adolescente e queria esconder mais que mostrar. Relembrando meus planos para 2014, penso que consegui realizar muita coisa, e uma boa parte ainda espera semi-adormecida. Obrigada por me ajudar a pensar sobre isso de maneira tão gentil. Sucesso sempre. Beijos.