Piquenique queer
Domingo passado, fui a um piquenique queer aqui em Tóquio.
Neste texto, compartilho como foi a experiência, por que deixei de ir a um anterior e o que estou refletindo a partir desse encontro.
Nota: queer refere-se a identidades de gênero ou orientações sexuais que ultrapassam as constrições da cisgeneridade (explicações em português na Wikipedia) e heterossexualidade.
Sempre que visito algum lugar novo, tento encontrar pessoas com as quais possa me conectar e me sentir seguro. Embora a internet não resolva as necessidades de presença e proximidade física, ela me dá a chance de encontrar outras pessoas que, como eu, buscam cuidar delas.
Foi por meio da internet que descobri que um piquenique queer aconteceria no Parque Yoyogi. Duas pessoas diferentes entraram em contato comigo para comentar sobre o piquenique. No mesmo dia, eu havia combinado de encontrar um amigo, então decidimos que nosso encontro passaria pelo parque. Nos encontramos, conversamos e localizamos o grupo que estava fazendo o piquenique. Não tive coragem de chegar perto e entrar na roda composta por umas quinze pessoas.
Enquanto caminhava com Mu, meu amigo, identifiquei o grupo, reconheci pelo menos uma das pessoas que haviam me convidado, mas não disse nada até uns cinquenta metros depois. Quando comentei sobre ter localizado o grupo, Mu perguntou se eu queria voltar e tentar interagir. Mil pensamentos diferentes gritavam “não” dentro de mim, então decidimos continuar nossa caminhada apenas entre nós dois.
Meus receios eram diversos: ter que falar japonês em vez de inglês, entrar numa roda já formada e me sentir deslocado, perder a oportunidade de aproveitar a companhia de Mu enquanto tentamos nos incluir no grupo, eventualmente ficar de lado sozinho abandonado solitário enquanto meu amigo consegue se entrosar, não ser legal o suficiente para estar lá, enfim, mil coisas.
Minha tarde com Mu foi linda, fabulosa, com direito a restaurante focado em abacate e muitas conversas que me foram importantes. Não acho que tenha perdido algo ao deixar de ir ao piquenique, embora a motivação consciente de aproveitar a companhia do meu amigo em vez de conhecer gente nova no piquenique tenha chegado muitos minutos depois de a decisão já ter sido tomada. Ainda assim, fomos gentis comigo e é isso que importa.
No final de semana, um outro grupo também organizou um piquenique queer, de novo no Parque Yoyogi. Decidi ir sozinho, mesmo com o corpo tremendo e o receio borbulhando.
Aqui algo sobre mim: geralmente me sinto muito ansioso diante de situações em que não sei como as coisas funcionam. Fico ensimesmado, com medo de dizer ou fazer a coisa errada (o que quer que isso possa ser). Não é à toa que crio mais projetos do que me envolvo em participar de projetos já existentes, pois desta forma estou no controle das situações que crio.
No passado, escrevi sobre isso em pelo menos três textos: Se tivesse coragem, hoje eu saberia dançar, Um ensaio sobre autoestima e Quem se importa se você vai à festa?
Quando cheguei ao local do piquenique, havia quatro pessoas conversando animadamente entre si. Considerei passar reto outra vez e ir observar cachorros, senti o corpo retesando com os típicos receios, mas eu estava decidido. Aproximei, disse oi e prontamente fui convidado para tirar os sapatos, subir na lona esticada na grama e sentar. Sem demora estávamos conversando sobre jogos de imaginação ao observar estranhos, descobrindo onde nascemos (gosto de fazer para as pessoas o desafio de descobrirem meu país de origem, nunca ninguém diz Brasil, o que é uma oportunidade excelente para ampliar horizontes) e convivendo animadamente.
Ao longo das horas, mais pessoas chegaram. Em algum momento, éramos umas quinze pessoas. Fiquei um pouco mais de lado, conversando num círculo menor, ainda sem conhecer direito as pessoas, muitas das quais já se conheciam entre si e, quando chegavam, buscavam as amizades que não viam há algum tempo.
Durante o piquenique, falamos sobre a busca por encontros e comunidades com pessoas que nos entendem, que compartilham experiências e desafios similares, que refletem sobre e se importam com temas parecidos etc. Segurança, feminismo, anticapitalismo, representatividade, emoções: falamos sobre isso tudo e mais um pouco.
O Japão é um país incrível em muitos aspectos, mas é difícil para estrangeiros se inserirem na comunidade local e sentirem-se verdadeiramente acolhidos por japoneses. Além disso, o Japão ainda é um país bastante tradicional em termos de comportamentos, o que significa que há pouco espaço para conversar abertamente sobre temas como questões sociais, sexualidade e dinheiro. Mesmo que esteja aqui há pouco mais de duas semanas, percebo que encontrar as minhas pessoas será fundamental para que minha vida aqui prospere.
Para mim, o piquenique foi um Ninho: um espaço para a prática do acolhimento, mas em vez de escritores, pessoas LGBTQIA+. Saí de lá pensando no quanto é importante continuar criando oportunidades para que pessoas possam se juntar em torno de valores semelhantes, viverem juntas, se cuidarem. É isso que quero continuar fazendo com minha vida e, para fazê-lo, preciso encontrar mais lugares e pessoas que sejam emocionalmente nutritivos, que me convidem a viver melhor.
Esse é o plano para os próximos tempos, não só aqui no Japão. Como diria uma colega de trabalho: watch this space – em português, fique atenta! [ou: “observe este espaço (para receber novas atualizações)”].
Por esses dias, estou bem pouco conectado na internet. Por isso, não tenho links para compartilhar hoje. Meus dias têm sido uma mistura de passeios, trabalho e estudo, muito estudo. Já consigo fazer em japonês muito mais do que conseguia antes de sair do Brasil, tenho objetivos de aprendizado bastante claros e pretendo alcançá-los.
Mesmo no Instagram tenho sido pouco presente, o que, para quem me conhece há mais tempo, não é nada estranho. Vou deixar aqui uma foto para ilustrar o texto e te encontro de novo por aqui semana que vem.
Com carinho,
Tales