🦊 Quem usa o Grindr no Japão
Um estudo sobre os perfis num aplicativo de relacionamento gay
O Grindr é um aplicativo de telefone que se apresenta como a maior rede social para conexões entre pessoas gays, bissexuais, trans e queer. Na prática, trata-se um aplicativo utilizado para marcar encontros com outras pessoas, normalmente homens, geralmente com finalidade sexual. O aplicativo apresenta um número de perfis organizado por distância geográfica, mostrando primeiro as pessoas que estão mais próximas de mim.
Eu utilizo o Grindr e outros aplicativos de relacionamento (Tinder, Hornet, Scruff, OKCupid, Sniffies, Bumble…) há muitos anos como uma forma de me conectar com outras pessoas queer e formar amizades, encontrar companhia para rolês e fazer sexo.
Há algumas semanas, venho pensando em fazer uma tirinha sobre perfis curiosos que encontro por aqui – muitos dos quais são fáceis de encontrar também no Brasil – e, enquanto coletava exemplos para desenhar, decidi fazer uma análise mais profunda sobre os perfis disponíveis para mim.
O resultado dessa pesquisa está neste texto.
O que é possível ver em um perfil do Grindr?
Em primeiro lugar, precisamos entender que tipo de informações estão disponíveis em um perfil do Grindr. Logo ao abrir o aplicativo, é possível ver uma lista de perfis com duas informações iniciais: foto e nome de perfil. A partir dessa informação inicial, o usuário pode escolher um perfil para ver em mais detalhes.
Cada perfil é composto por uma variedade de informações, todas de caráter opcional: é possível ter um perfil inteiramente vazio – e há – ou mais detalhado. Caso alguém opte por preencher seu perfil por inteiro, essas são as informações disponíveis:
Fotos (até cinco)
Nome de perfil (até 15 caracteres)
Descrição (até 255 caracteres)
Idade
Altura
Peso
Etnia
Porte físico (comum, grande, magro, musculoso etc.)
Posição (ativo, passivo, side etc.)
Tribos (descritores gerais como “nerd”, “papai” e “discreto”)
Em busca do que (amigos, ficadas, relacionamentos etc.)
Local de encontro (na casa de quem, em restaurante etc.)
Se aceita fotos explícitas
Gênero
Pronomes
Status HIV
Data do último exame
Vacinas
Redes sociais
Ou seja, a despeito de se vender como um aplicativo de “networking”, o Grindr é um aplicativo direcionado para facilitar encontros sexuais. Não à toa, no Brasil é chamado de “iFood amarelo” – onde se pode pedir comida em casa.
Uma nota antes de compartilhar os resultados
Como o Grindr é um aplicativo baseado em geolocalização, esses resultados são específicos de pessoas que estavam próximos à minha casa no momento em que coletei as imagens dos perfis para análise. Ou seja, não se trata de um recorte significativo o suficiente para falar do Japão como um todo, ou sequer de Tóquio como um todo. Por favor mantenha isso em mente ao ler o restante do artigo.
O que mostram as imagens de perfil
Eu analisei um total de 294 imagens de perfil, atribuindo descritores como “mostra o rosto”, “está de costas” ou “está deitado” a cada uma delas. Minha intenção era encontrar padrões expressivos sobre como os usuários do aplicativo decidem se mostrar com ou sem suas imagens.
Considerando que o armário é um tópico sempre presente na vida de pessoas gays, observei também quantas pessoas mostram seu rosto abertamente na foto inicial, e esses foram os dados que encontrei:
49,8% mostram o rosto claramente;
28,1% não mostram o rosto, aparecendo de costas ou com a foto cortada na altura do pescoço;
9,5% não possuem imagem nenhuma;
6,4% têm o rosto bloqueado por objetos ou emojis adicionados às fotos;
3,7% usam fotos de objetos ou paisagens;
2,4% usam fotos de partes de seus corpos, como barrigas, mãos ou pés.
Ainda sobre as imagens, gostaria de fazer dois destaques:
25,51% das fotos de perfil são claramente selfies. O número seria maior se eu considerasse imagens que provavelmente são selfies, mas que não mostram o telefone na foto;
27,21% das fotos apresentam corpos com o torso nu visível. Em outras palavras, gente descamisada. Eu não tabulei esse dado, mas corpos malhados e magros apareceram com mais frequência do que corpos gordos.
A partir desses dados, não é possível ter clareza sobre o quão eficiente é mostrar o rosto ou tirar a camisa para estabelecer conversas com outras pessoas no aplicativo, porém podemos imaginar que certas estratégias se repetem e se reforçam ao longo do tempo porque são aprendidas por observação ou resultam em sucesso para seus usuários, seja lá como definem o que é sucesso no uso do aplicativo.
O que revelam as informações de perfil
Depois de analisar as imagens, decidi analisar os perfis. Para isso, fotografei um total de 291 perfis e analisei algumas características: nome do perfil, informações no campo de descrição, altura, peso, etnia, idade, posição e o que buscam no aplicativo.
Comecemos com idade. Nem todos os perfis apresentam essa informação, porém, dentro os que mostram a idade, a distribuição variou entre 18 anos (mínimo permitido pelo aplicativo) e 65 anos, com a maioria dos perfis girando em torno de 28 anos.
Já que estamos olhando para características físicas, quero revelar meu espanto com a altura média, que variou entre 1,52m e 1,99m, mas contou com um número significativo de perfis por volta de 1,78m.
Por curiosidade, reavaliei essa distribuição considerando apenas perfis que se identificaram como asiáticos. Como eu havia imaginado, a média da altura baixou um pouco, com a maioria dos perfis ficando entre 1,71m e 1,75m.
E já que mencionei etnia, vejamos a distribuição dos perfis de acordo com etnias, lembrando que essa é uma informação autodeclarada no perfil e que eu não fiz nenhuma atribuição adicional além do que as próprias pessoas escolheram.
A maioria dos perfis (53,8%) são de pessoas que se identificam como asiáticas. Embora isso não signifique exclusivamente japoneses, creio que não é um dado particularmente surpreendente porque, afinal de contas, estou no Japão. Entretanto, um número significativo de perfis (32.8%) não marcou nenhuma etnia em seus perfis. É difícil saber a razão para tantos perfis incompletos sem uma pesquisa qualitativa, algo que no momento escapa do que estou tentando fazer aqui (embora a semente da curiosidade tenha sido plantada).
Um padrão semelhante se apresenta no quesito posições, que diz respeito à preferência em relação à penetração (pênis-ânus). Alguém que se diga ativo prefere penetrar outras pessoas, enquanto passivos preferem ser penetrados. Versáteis, em teoria, não têm preferência por um ou outro, participando do ato sexual em uma ou ambas posições. Sides, por outro lado, preferem sexo que não envolva penetração.
Novamente temos um número expressivo de perfis (31%) que não adicionaram esta informação. Algo que me deixou curioso foi perceber que, ao contrário da percepção popular de que no Japão “só existem passivos”, o número de passivos e passivos versáteis soma 26% contra 23,1% autodeclarados ativos e ativos versáteis. Entretanto, se considerarmos o preconceito recorrente na comunidade gay contra passivos (no que enxergo como uma adaptação direta da misoginia), não é improvável que entre os que se declaram versáteis, muitos queiram transar apenas como passivos.
Um outro ponto sobre o qual gostaria de comentar: ao contrário de outros aplicativos semelhantes, o Grindr não conta com outros itens que possam indicar preferências sexuais. Isso aponta para a centralidade da penetração como parte da experiência sexual masculina, um tema sobre o qual ainda pretendo escrever no futuro.
Como os perfis se apresentam?
Há três últimos elementos que gostaria de comentar: o que os perfis buscam, seus nomes de perfil e como se descrevem no aplicativo.
Em relação ao que buscam, os perfis apresentam seis opções de múltipla-escolha. É possível escolher todas as seis opções ao mesmo tempo, algo feito por 8,2% dos perfis, por isso o número total mostrado no gráfico a seguir extrapola os 291 perfis analisados. Da mesma forma, 34,3% dos perfis não informou nenhuma das seis opções, mantendo consistência com a média de 1/3 de perfis em branco.
Eu sou uma das pessoas que marcaram as seis opções, porém me surpreendi ao ver que “amigos” apareceu em primeiro lugar. Embora os números demonstrem as opções feitas pelas pessoas, a experiência cotidiana no uso do aplicativo me sugere fortemente que a maioria dos usuários não parece interessada em desenvolver relações duradouras de amizade. Esse certamente é um tema sobre o qual gostaria de retornar no futuro, já que uma pesquisa quantitativa não oferece as condições para entender a complexidade do que as pessoas estão em busca.
Já sobre os nomes de perfis, alguns padrões interessantes emergiram.
O elemento que apareceu com mais frequência foi o uso de um nome (20,6%), seguido de um padrão curioso: 18,9% apresentam uma ou mais letras sem significado aparente (R, A, AFW etc.). Um número expressivo de perfis não tem nome de perfil (16,4%), o que parece estar alinhado com a quantidade de perfis vazios que vimos até agora. Como o nome do perfil possibilita uma gama de opções que mantêm a identidade em segredo, como letras e emojis, esse terço de usuários escondidos parece utilizar estratégias diferentes.
Um aspecto interessante é a quantidade de pessoas que utilizam o nome do perfil para anunciarem o que querem (intenção: encontro agora, amigos etc.) ou qual posição sexual preferem (posição: ativo, passivo etc.). Faz sentido, considerando que as pessoas veem apenas uma imagem e o nome de perfil antes de decidirem se abrirão ou não um perfil.
No que diz respeito à descrição do perfil, o espaço em que usuários contam com até 255 caracteres para falarem de si e também do que procuram ao se conectarem com outras pessoas, o número de variáveis é grande, mas ainda assim alguns padrões ganharam forma.
Aparecendo em 41,2% dos perfis e liderando nosso gráfico estão informações sobre o que as pessoas estão procurando. Apesar disso, essa é a pergunta mais comum nas conversas de Grindr (“o que procura?”), algo que com frequência sugere a decepção de perceber que a outra pessoa não leu seu perfil antes de entrar em contato.
Temos 24% das descrições em branco, confirmando a tendência dos perfis que não oferecem informações.
Por fim, alguns descritores que gostaria de explicar:
NPNC - Do inglês no pic no chat (sem imagem, sem conversa), indica que essas pessoas não estão interessadas em responder perfis que não apresentem fotos. Alguns perfis são um pouco menos diretos, sugerindo que as pessoas enviem fotos pelo chat ao entrarem em contato pela primeira vez.
Host ou não - Embora os perfis tenham a opção para indicar local do encontro, muitos utilizam a descrição do perfil para indicarem se podem ou não receber pessoas em casa para transar.
Peça por imagem - O contrário do NPNC, estes são usuários que incluem em sua descrição que estão dispostos a compartilharem imagens de si desde que as pessoas peçam por elas via mensagem.
Poético - Alguns perfis não se descrevem, mas incluem citações filosóficas. Achei curioso o suficiente para formar uma categoria à parte (2,7%).
Vacinas - No que parece ser um efeito pós-pandemia de COVID, diversos perfis mencionam as vacinas que tomaram recentemente.
Pau grande - Embora o número não seja expressivo (1,3%), quis comentar porque a experiência gay costuma circular bastante em torno de um culto ao tamanho do pênis. Fico me perguntando se em outras regiões do planeta esse marcador nas descrições de perfil aparece com mais frequência…
Por fim…
Há muito que não é possível saber apenas observando perfis no Grindr. Minha curiosidade nasceu da vontade de quantificar as impressões que tenho sobre o aplicativo e entender se elas estão alinhadas com a realidade. Em alguns casos, isso não se provou verdade.
Agora que concluí esse exercício, porém, sinto-me ainda mais curioso para entender a experiência de outras pessoas não apenas no uso de aplicativos como o Grindr, mas também na elaboração de seus relacionamentos e na forma como exploram e dão significado para suas experiências sexuais. Fique de olho, quem sabe não trago mais reflexões, pesquisas ou até entrevistas num futuro próximo…
Enquanto isso, por favor me conte como o texto de hoje chegou por aí. Estou curioso para saber se os dados corresponderam com as tuas impressões, ou se tu aprendeu algo novo sobre o misterioso universo dos aplicativos de pegação…
Com carinho,
Tales