🦊 Relacionamentos em construção
Porque a gente nunca termina de elaborar o que pode ser uma relação
Cada relacionamento é único. Infelizmente, não temos palavras o suficiente para definir cada uma dessas singularidades. Amigos, namorados, casados, amizades coloridas, paus amigos, conhecidos, colegas, vizinhos, parentes… Essas palavras ajudam a orientar as margens gerais do que compõe cada relação, mas são apenas mapas para serem vistos de longe. Quando nos aproximamos das relações reais, da forma como acontecem na realidade, esses nomes e etiquetas não sustentam a complexidade da vida.
Anos atrás, um amigo disse-me que queria passar uma tarde abraçado comigo num sofá. De uma forma muito tipicamente Tales, fiquei sem jeito de dizer não, mas me organizei para nunca deixar o sim surgir. Eu não conseguia imaginar uma amizade que incluísse abraços e carinhos sem desenvolver para sexo.
Nesta semana, recebi em casa um amigo e senti vontade de passar um tempo abraçado explorando uma intimidade física que poderia ou não envolver sexo. Curiosamente, também estávamos sentados num sofá. Mesmo que eu tenha percebido a vontade, não juntei coragem o suficiente para perguntar se ele topava.
Eu não tenho medo de receber um não. Acho que o medo aqui, em ambas as situações, é o de me mostrar de um jeito que não condiga com o modo como a outra pessoa está me imaginando. Medo de perder o controle sobre minha própria imagem, de não corresponder à imagem que cuidadosamente construí, e nesse processo acabo sacrificando minha autenticidade.
“Somos apenas amigos e amigos não passam horas abraçados no sofá”.
Os nomes que temos para as relações e para as pessoas em nossas vidas não só são insuficientes: quando tentamos reforçá-los eles se tornam limitantes.
“Somos amigos, portanto devemos fazer isso.”
“Somos namorados, portanto não podemos fazer aquilo.”
Recentemente, um ex-namorado brigou comigo porque eu havia dito que queria ser seu amigo, mas não havia mandado mensagens nem feito convites nos últimos meses. “Amigos procuram uns aos outros”, ele reclamou. Nesses meses, por uma miríade de razões, não senti vontade de procurá-lo. Disse a ele que no momento não estava disposto a iniciar esse movimento, mas que estaria aberto a conversar caso ele tomasse iniciativa. Eventualmente perguntei sobre algo pessoal que ele mencionou de passagem, a primeira pergunta sobre a vida dele que fiz desde que terminamos. Ele respondeu que, como não somos amigos, preferia não me responder.
Também recentemente, saí com um moço que conheci em um café. O flerte espontâneo inicial evoluiu para a troca mensagens de texto, e então para um encontro, que envolveu algumas horas de conversa e sexo. Quando me despedi dele, estava muito feliz e desejoso de novos encontros recheados com a mesma energia excitante que senti no tempo em que passamos juntos. Desde então se passaram algumas semanas e ele não respondeu mais às minhas mensagens.
Não me vejo no direito de exigir uma resposta do moço do café. Cada um decide como e quanto vai se abrir para as relações que elabora. Da mesma maneira, não me vejo na obrigação de corresponder às expectativas do meu ex-namorado. Ele tem uma ideia sobre como uma amizade deveria se parecer e neste momento não tenho interesse em contribuir para essa construção específica.
Gosto do conceito de anarquia relacional para pensar como construir relacionamentos que sejam significativos e intencionais. Encontrei esse conceito outra vez em um podcast (em inglês) sobre relacionamentos não-monogâmicos no qual a convidada explicou uma maneira interessante de pensar relações: em vez de se basear em palavras e modelos prontos, ela imagina uma mesa ou parede na qual as infinitas atividades possíveis em conjunto são negociadas. Com algumas pessoas, tomar vinho conversando sobre relacionamentos será parte da relação. Com outras, toque físico. Com outras, assistir dramas coreanos. Com outras, correr juntas na academia. E assim por diante, sempre com abertura para renegociar conforme os afetos, interesses e necessidades se transformam.
Isso tudo demanda lucidez e coragem, é claro. Lucidez porque precisamos encontrar clareza sobre aquilo que queremos, e coragem para sustentar a conversa, mesmo que ela muitas vezes nos coloque em posição de vulnerabilidade ou ameace a imagem que cuidadosamente construímos para mostrar para o resto do mundo.
Lucidez e coragem que, reunidas, podem nos levar na direção de relacionamentos mais livres, leves e conectados.
Com carinho,
Tales
esse texto é o eco dos meus pensamentos e sentimentos nos últimos meses. obrigada por colocar em palavras o que só posso sentir.