Os dos meus primeiros textos no A gay fox in Japan, que agora mudou de nome para The fox gaze, perguntava se era seguro ser um homem gay no Japão. Naquela ocasião, eu estava ainda deslumbrado com o quanto me senti seguro vivendo em Tóquio.
Minha relação com viver no Brasil sempre foi intermediada por um certo medo de estar nas ruas. Medo de quê? De assalto, de violência física, de ser interpelado por outras pessoas e não saber como reagir. É um medo profundo, contínuo, que orientou e influenciou muitas das minhas decisões ao longo da vida.
Dentre elas, ir e depois voltar ao Japão.
Pois agora que, pela segunda vez, não estou mais no Japão, me peguei pensando sobre segurança em uma série de momentos.
Na Coreia do Sul, sem conexão de dados móveis em meu celular, subindo um morro por uma trilha escura às dez da noite e sem saber se chegaria ao meu destino (a Torre de Seoul), experimentei uma mistura intensa de medo com cansaço ofegante. Eu não queria parar no meio de um caminho cercado por mato e escuridão, mesmo que meus pulmões estivessem gritando por descanso enquanto eu absorvia o ar gelado. E não parei, porque estava com medo de parar, um medo de não dar tempo, de não chegar, ou talvez de algo ou alguém chegar. Curioso que cheguei à Torre e realmente não deu tempo, porque fecharam os ingressos uma hora mais cedo do que o anunciado, mas naquele momento eu já não estava mais desconfiando da noite.
Em Hong Kong, as ruas tortas e lotadas, os carros passando velozes e uma semelhança intensa com São Paulo, mas fora o cansaço não senti medo nem insegurança. Subi morro, caminhei à noite, e nada além da fome mexeu com meus sentimentos. Foi lá que voltei a pensar sobre esse tema. Como pode uma cidade tão parecida com São Paulo me produzir tantas sensações diferentes?
Num dia de turismo, um homem se parou a falar comigo e a “ler meu futuro”. Falou de coisas bonitas, futuros brilhantes e sucessos, e depois me pediu dinheiro. Eu sabia que ele ia me pedir dinheiro, sabia que toda aquela conversa não era de graça. Durante toda a interação, eu sabia que havia um interesse ulterior e fiquei atento aos arredores porque não tinha certeza se o interesse era me pedir dinheiro ou me distrair o suficiente para que alguém me furtasse.
Nas Filipinas, onde estou atualmente, encontrei outra peça para esse quebra-cabeças. Aqui percebi um outro fator que talvez seja essencial para entender a percepção de segurança: os discursos sobre o local interferem na percepção e nos sentimentos. Em Manila, entrar em shoppings, em parques e em museus requer passar por detectores de metal e abrir as bolsas para guardas. Caminhar na rua frequentemente inclui ver policiais armados com rifles. Conversar com pessoas inclui avisos para tomar cuidado com os próprios bens e não caminhar sozinho por becos escuros.
Nada disso é novidade para mim, pois cresci ouvindo histórias sobre a insegurança de viver no Brasil. Muitas vezes, aliás, contribuí com essas narrativas. Por exemplo, sempre brinco que no Brasil não se pergunta se alguém já foi assaltado, mas sim quantas vezes alguém já foi assaltado. No meu caso, quatro ou cinco, e estou falando de assalto mesmo, não de furto.
Amanhã embarcarei para Singapura, onde ouvi histórias de segurança e organização. Estou curioso para saber como vou me sentir por lá e também para continuar refletindo sobre o que posso fazer para responder a essas histórias e sentimentos de insegurança com uma postura mais confiante de que serei capaz de lidar com o que vier. Veremos.
Enquanto isso, estou curioso para saber das tuas experiências com sentir-se segura nos ambientes onde circula:
Isso é algo comum para ti?
O que provoca um desalinho nessa sensação de segurança?
Com carinho,
Tales
Querido Tales!
É sempre instigante ler suas reflexões. Pincei essa reflexão, em particular: "outro fator que talvez seja essencial para entender a percepção de segurança: os discursos sobre o local interferem na percepção e nos sentimentos".
Penso que isso vale para lugares, pessoas, grupos. Minha experiência limita-se a alguns bairros de São Paulo e algumas poucas cidades de outros estados.
Percebo que minha sensação de segurança está intimamente ligada a quanto o lugar, pessoa ou grupo desperta em mim a sensação de acolhimento, de não julgamento.
Enquanto eu estava frequentando a faculdade no Butantã, e precisava atravessar a cidade, eu me vi observando que os discursos influem até mesmo na arquitetura dos lugares, como se a cidade fosse composta por ilhas de prosperidade em meio a territórios de caos, desespero e miséria.
Meu palpite é que ao sermos apresentados à linguagem, não temos (e não recebemos) ferramentas suficientes para discernir entre o que é imaginário e o que é concreto (no sentido do que realmente afeta nosso corpo, nosso modo de ser e existir no mundo).
Isso só vem com a maturidade, com a curiosidade de olhar para o que existe por trás dos muros discursivos.
Infelizmente, a luta pela própria sobrevivência e o bombardeio de mensagens subliminares de menos valia, afetam diretamente a percepção e os sentimentos da maioria das pessoas, que, sem se dar conta, são esmagadas pelo rolo compressor daqueles que detêm o poder e não querem abrir mão de suas regalias.
Do meu lugar de pessoa branca (demais), mulher, agora sexagenária, com o corpo fora dos padrões de beleza imaginária, introvertida demais para me aventurar por aí, posso dizer que poucas vezes senti na pele a insegurança que é objeto das reflexões do seu texto. Mas tenho vívida a memória das três vezes em que fui assaltada enquanto, já adulta, circulava pela cidade de São Paulo, e de uma vez, em noite chuvosa, quando ainda estudava no ensino médio e caminhava para a escola, com os cadernos em uma das mãos e o guarda-chuva na outra, e fui surpreendida com uma mão masculina a me tocar subitamente entre as pernas, para em seguida sumir atrás de mim, enquanto eu me recuperava da violência física e psicológica para conseguir continuar o trajeto iniciado.
Finalizo expressando, aqui, minha admiração pela sua habilidade de escrever e suscitar lembranças e novas reflexões sobre coisas que jazem submersas nas mentes de seus leitores.
Abraço fraterno! 🥰