Eu tenho um histórico de não responder cartas.
E-mails e mensagens de texto, posso demorar, porém respondo. Agora cartas, acho que nunca nem enviei, que dirá responder quando recebi alguma. E já recebi algumas ao longo da vida.
Não é que eu não me importe em responder ou que não me preocupe com a pessoa que me escreveu. Pelo contrário, me assombra o fato de que até hoje, anos depois, não respondi aos punhados de cartas que recebi. Poderia ter recebido mais, mas imagino que seja bem decepcionante tentar se comunicar com alguém que não corresponde.
Uma das primeiras cartas que não respondi foi de minha mãe virtual.
Ainda nos tempos de escola, na época em que estava entrando no ensino médio, eu participava de micronações, uma simulação política na internet. Era um esquema bem bacana, um punhado de pessoas se reuniam (será que ainda existe?) e elaboravam países. Eu fui um jornalista razoavelmente conhecido por dois anos, relatando os acontecimentos das micronações onde habitava e também de outras – já fui diplomata, presidente, entre outras coisas.
Em uma dessas micronações, conheci e fui convidado a fazer parte uma família. Inclusive, em 2014 viajei de Porto Alegre a Bauru (SP) para passar uma semana na casa da minha tia virtual. Foi a primeira vez que estive por conta própria num outro canto do país.
Minha mãe virtual me escreveu cartas, mas nunca escrevi de volta. Na época, acho que tinha algo de não saber exatamente o processo. As cartas eram criativas, feitas com recortes de revistas e tal. Lembro que uma era toda cheia de jujubas, porque eu gostava dessas balinhas. Eu não conseguia sequer imaginar como poderia fazer algo remotamente à altura e fui postergando a resposta enquanto refletia sobre como poderia criar algo que estivesse à altura do que recebi. No fundo, era medo de não ser bom o bastante, de não ser capaz de entregar algo que tivesse valor para a outra pessoa no mesmo tanto que tinha, para mim, o que recebi.
Uma segunda carta não respondida foi da Vanessa Guedes (sigam a newsletter dela, é bem bacana). Depois de participar do Ninho de Escritores por alguns meses, ela se mudou do Brasil. Lembro ainda hoje ela me pedindo meu endereço e explicando que escreveria uma carta e que isso significava que ela gostava de mim, pois não fazia isso com qualquer pessoa. Passou-se algum tempo, talvez um punhado de meses, e a carta chegou à minha casa.
De novo, era uma carta cheia de coisas bonitas, um mapinha da cidade onde ela estava morando, além do relato eternizado via tinta no papel. Eu respondi? Não. Inclusive, acho que nunca nem disse pra ela o quanto carrego comigo o fantasma da minha não resposta. É uma daquelas coisas que eu não sei explicar por que acontece. Tinha algo do processo de escrever a carta e enviar, é verdade, mas acho que a parte maior ainda estava conectada (ou está, já que a situação não está resolvida) com, no fundo, pensar que eu não tenha algo a dizer. Ou que o que eu teria a dizer não teria peso, não valeria receber uma carta.
Nota: eu não acredito nisso. Não conscientemente, pelo menos, mas há várias coisas e vozes dentro de mim que não correspondem à versão de mim que gosto de acreditar que é a melhor.
O que me motivou a escrever essa carta digital foi uma terceira carta que recebi há poucos dias, então o “prazo aceitável” para responder (sei lá se existe isso) ainda está em vigor. Trata-se de uma carta da Carla Soares, cuja escrita também recomendo. Nós conversamos por e-mail já tem anos e recentemente comentei em uma das newsletters dela como uma ilustração poderia ser uma capa de livro. Em resposta, Carla perguntou se eu aceitaria receber uma cópia física da ilustração. Disse sim e eis que ela chegou: é absolutamente maravilhosa e veio junto com uma carta toda linda escrita à mão.
Eu me encanto com a delicadeza e o cuidado que existem em preparar uma carta para alguém. É um tipo de ação que se conecta com várias outras: preparar uma refeição quente, ajeitar um quarto, consertar um chuveiro. Há algo nesse tempo investido que me deixa muito contente.
Talvez justamente por reconhecer esse afeto materializado é que me incomode tanto que eu nunca tenha feito o mesmo na forma de cartas.
Uma parte de mim quer dizer: ok, então vou escrever e enviar uma carta e superar esse bloqueio. Outra parte está gritando: não te comprometa com o que tu sabe que não vai conseguir fazer.
Eu não sei o que mais há por trás dessa resistência toda que habita em mim.
Vou investigar mais. Conforme eu descobrir, conto mais por aqui.
Obrigadinho :)