Em menos de dois meses estarei novamente escrevendo lá do Japão.
Por esses dias me peguei pensando se realmente queria voltar para Tóquio ou se estava apenas apegado a uma escolha feita num momento emocionalmente intenso, quando a tristeza pós-viagem estava em seu auge.
Lembrei de uma conversa com a
na qual estávamos falando sobre minhas ideias de retornar ao Japão, ainda em maio deste ano, logo que havia chegado ao Brasil. Ela me perguntou:E se esse sentimento de tristeza for o que te faz movimentar em busca de uma coisa mais prazerosa como o que você experimentou?
Fez sentido e acabei decidindo voltar ao Japão. Estou nesse processo há alguns meses, porém a dúvida é uma velha conhecida e continua a me visitar.
Bem diria Jorge Drexler:
No tengo a quien culpar que no sea yo [não tenho a quem culpar que não a mim mesmo]
Con mi reguero de cabos sueltos [com meu rastro de pontas soltas]
No me malinterpreten [não me interpretem mal]
Lo llevo bien [eu vou bem]
O por lo menos hago el intento [ou pelo menos eu tento]
Estava a me sentir assim, convivendo com a dúvida, quando um amigo querido me avisou que estava passando por São Paulo e perguntou se eu queria encontrá-lo. Respondi já resignado que tinha aula de pole dance até 21h no dia. Ele disse que assim era ótimo, porque também tinha compromisso até esse horário. Combinamos de nos encontrar às 22h de uma quinta-feira.
Passei o dia pensando por que havia feito esse compromisso e torcendo para que ele cancelasse de última hora. Outra vez, não me interprete mal: amo meu amigo e tinha certeza que nosso tempo juntos seria fabuloso (e foi), mas a ideia de sair de casa à noite em São Paulo me dá medo.
Desde Tóquio, tenho me sentido mais disposto a ir pra rua mesmo com medo, porém o receio de ser assaltado e agredido continua colado em mim. Caminho atento aos arredores e avaliando locais para os quais eu possa correr. Analiso cada pessoa que entra no meu campo de visão, acionando preconceitos para considerar se podem ser uma ameaça para mim.
Enquanto caminhava até o ponto de encontro com meu amigo, a vinte minutos de onde moro, lembrei da deliciosa ausência de medo que senti no Japão e do espaço mental e emocional que se abriu quando tirei essa preocupação do caminho.
Realmente, quero voltar para lá. Eu gosto de quem eu sou quando não sinto medo.
Esta semana, Draco perguntou se quero ser seu parceiro oficialmente. Completamos um ano desde o dia em que nos vimos pessoalmente pela primeira vez e conversamos por vídeo, ele lá no Japão e eu aqui no Brasil. Disse a ele que sim, e agora oficialmente mantenho duas relações de namoro em paralelo.
Em tempos recentes, comecei a sonhar com uma vida em que eu forme uma família com outros parceiros, não sei bem quantos, porque não é a quantidade que me importa, mas sim os valores compartilhados de companheirismo, cuidado, autonomia e liberdade. Tenho achado essa ideia bonita, gostosinha de cultivar.
Duas conversas recentes nas aulas de pole dance ficaram na minha cabeça.
Em uma delas, uma moça de cinquenta ou sessenta anos viu a professora mostrar uma rotina de dança e disse “não vou conseguir fazer isso”. Ao mesmo tempo, eu estava rindo porque sabia que teria dificuldade para executar os movimentos, mas estava disposto a brincar e tentar. Ao perceber isso, celebrei essa disposição. Quantas vezes no passado deixei de fazer coisas por achar que não seria capaz?
Noutro dia, a conversa foi sobre assaltos recentes que as pessoas da aula haviam sofrido. Não falei muito, apenas escutei e remoí as memórias. É tão desagradável pensar que a experiência do roubo é parte cotidiana da experiência de tanta gente que conheço…
Olhando para o passado
Enquanto estava no Japão, escrevi pouco sobre minhas experiências por lá. Por causa disso, decidi ver o que estava fazendo e vivendo em anos passados e trazer um pedacinho disso pra cá.
Em novembro de 2022 eu rebati bolas com um taco de baseball pela primeira vez na vida. Custa relativamente barato para tentar rebater uns 20 disparos de máquina e é difícil pacas coordenar o movimento do taco com a velocidade e altura da bola. Durante os sete meses que passei no Japão, acho que só fui duas vezes, mas pretendo ir mais vezes no futuro porque é uma atividade divertida e desafiadora.
Tirei essa foto enquanto esperava Draco para nosso primeiro encontro. Esse local fica em uma das saídas da estação Shinjuku-Sanchome, a estação mais próxima de Nichome, o bairro gay de Tóquio. Naquela noite passeamos pelo bairro coreano, comemos frango frito, pedi um frango apimentado que não consegui consumir porque estava ardido demais para o meu paladar, e eventualmente fomos parar na minha casa.
Ainda em novembro de 2022, fui a Odaiba, uma praia aberta artificialmente no sul de Tóquio. O mar sempre recarrega minhas energias e eu queria muito curtir um pouco dessa sensação lá pelo Japão – que é, afinal de contas, uma ilha. Não tomei banho no mar dessa vez, acabei fazendo isso só meses mais tarde, já bem perto de ir embora.
Em novembro de 2021 escrevi esse texto chamado Gay nasce ou se torna? Fica aqui o convite de leitura, caso te interesse.
Em 2019, decidi testar se eu cabia dentro das caixas que usei na mudança para o apartamento no qual morei sozinho aqui em São Paulo. A foto prova que coube sim!
Obrigado pela companhia até aqui!
Com carinho,
Tales
"Eu gosto de quem eu sou quando não sinto medo." Lindo isso, Tales.