Dentro de uma semana, prestarei o exame de proficiência em língua japonesa. Em 2022, antes de vir ao Japão pela primeira vez, fiz uma tentativa e não passei. Desta vez, após um ano de aulas em Tóquio (e um hiato de meio ano no Brasil), tentarei novamente.
Semana passada fizemos um simulado na escola e minha pontuação não foi suficiente para ter sucesso. Não fiquei surpreso com esse resultado, já que percebo com clareza a dificuldade que tenho com o idioma japonês, especialmente na parte de leitura. Durante o simulado, cometi a maioria dos erros na parte dedicada à compreensão de textos.
Eu gosto muito de ler.
Quando criança e adolescente, durante as férias de verão, entre dezembro e fevereiro, eu levava um punhado de livros comigo para a praia e passava dias inteiros apenas lendo. Eu devorava centenas de páginas por dia, livro após livro, e nunca me cansava desse processo.
Eu gostava tanto de ler que, quando abriu uma livraria perto da casa da praia, passei a frequentá-la todos os dias só para ver os títulos disponíveis e considerar quais seriam minhas próximas leituras. Foi seguindo essa minha paixão pela leitura, aliás, que conheci um moço que flertou comigo e me ajudou a eventualmente destrancar as portas do meu próprio armário.
Era dezembro de 2005, eu estava na metade da faculdade e até então só havia beijado uma garota (conto essa história na forma de quadrinhos aqui, em inglês). Embora intimamente soubesse que gostava de homens, eu achava que isso era algo que só acontecia dentro de casa, que das portas para fora eu poderia “ser normal”. Eu não tinha referências positivas sobre homossexualidade e não conseguia imaginar uma vida na qual eu fosse gay.
Quando descobri a livraria na praia e passei a frequentá-la, conheci um dos atendentes, um garoto bonito e extrovertido que muito rapidamente deixou claro que estava interessado em mim. Tentamos marcar um encontro na minha casa, mas por força do destino acabou não acontecendo, e depois disso ele se afastou de mim. No meio desse contexto, tive minha primeira relação sexual com outro homem e minha percepção de mim mesmo se transformou.
Eu já não precisava imaginar uma vida em que pudesse ser gay: essa vida havia me alcançado e se provado por conta própria.
No momento em que decidi vir a Tóquio pela segunda vez, eu sabia que precisaria ser mais proativo na construção de uma vida social. Grandes cidades tendem a ser solitárias, especialmente para adultos, pois todo mundo está ocupado ou já tem seus próprios círculos sociais.
Por conta disso, decidi apostar minhas fichas em duas áreas pelas quais sou apaixonado: jogos e pessoas queer (neste texto, explico um pouco de como entendo esse termo). Criei um grupo chamado “queer nerds tokyo” para sair junto, jogar, ir ao cinema etc., e passei a frequentar eventos publicados em sites como Meetup, participando de trocas de idiomas, mais jogatinas e até aulas de improviso.
Essa estratégia tem se mostrado muito frutífera, pois quando estou fazendo coisas que envolvem temas pelos quais me sinto altamente interessado, tudo flui mais tranquilamente. Por mais óbvio que isso seja, me parece também algo muito fácil de esquecer.
Aprender japonês é divertido, mas estudar, nem sempre. Gosto de ter aulas, mas não na quantidade que tenho por semana, e o foco excessivo em gramática desconectada de uma prática consistente acaba me tirando o tesão em estudar. Entretanto, preciso melhorar minha habilidade de leitura para ter chances de passar no teste de proficiência do próximo domingo.
Então decidi honrar meu eu criança e adolescente. Comprei um livro inteiro em japonês e me pus a ler. Decidi que leria frase por frase, página por página, tentando capturar o máximo possível do significado antes de voltar e pesquisar os sentidos que estava perdendo.
Marquei em amarelo o que não compreendi e segui lendo. Entendi fragmentos da história, o suficiente para me empolgar quando voltei algumas páginas e passei a pesquisar as expressões desconhecidas.
É um processo lento de descoberta e reflexão recheado de prazer. Estou descobrindo a história de Naguisa, um homem que apresenta um programa de culinária e não tem certeza se é gay ou bi, mas tem um certo fetiche por vozes. Ou pelo menos é isso que entendi até agora. Quero saber mais dessa história, quero ser capaz de ler esse livro inteiramente escrito em japonês, e isso me motiva.
Esse é o melhor jeito de estudar para o exame de proficiência? Provavelmente não. Entretanto, mais do que passar no exame, o que quero é me tornar capaz de comunicar em japonês e desenvolver minha habilidade de compreensão de texto. Isso não é algo que serei capaz de fazer se não estiver instigado pelos meus estudos.
Portanto, continuarei aprendendo a ler melhor.
Antes de encerrar a carta de hoje, quero indicar dois textos:
- , sobre o processo de tornar-se um escritor gay com orgulho.
Fostering belonging (em inglês), de
, sobre como apoiar os outros também nos ajuda a cultivar boas comunidades.
Tenho pensado muito sobre como posso cultivar em minha vida as coisas que me dão tesão de estar vivo. Neste texto, mencionei algumas: jogos, experiências queer e (ler) histórias. Eu também sou apaixonado por apoiar seres humanos no desenvolvimento de suas próprias capacidades, em particular a escrita. Em breve espero ter novidades para compartilhar sobre isso.
Com carinho,
Tales
Boa sorte com o exame! Achei chiquérrimo ler em japonês!