🦊 Um piquenique no dia do Orgulho
"Pensei em passar o resto do domingo jogando videogame, pensei em esperar pelas pessoas, pensei na frustração que acumularia se eu tomasse chuva e ninguém viesse. Decidi ir embora."
Domingo passado foi dia de Parada do Orgulho LGBTQIA+ aqui em Tóquio. Em 2023 eu havia anfitriado um piquenique junto com meu então futuro ex-namorado, uma experiência que me rendeu reflexões fortes sobre autoconfiança. Desde que cheguei em Tóquio novamente em janeiro deste ano, venho tecendo novas redes de relacionamento e imaginei que fazer um piquenique poderia ser um momento de conectar essas pessoas todas.
Nem preciso dizer que o plano deu errado, né?
Cheguei ao parque Yoyogi com meus utensílios: duas lonas de 3x3 metros, duas caixas de suco gelado (laranja e uva), salgadinhos, bolinhos, frutas, copos de plástico coloridos, um jogo de cartas (Love Letter) e meu Kindle. Localizei um canto que me pareceu adequado, estendi uma lona, coloquei pesos em cada canto (mochila, tênis, outro tênis e uma pedra) e me deitei. Ainda tinha quase duas horas inteiras até o horário combinado, então fiquei lendo meu livro sobre intestino.
Aos finais de semana, o parque Yoyogi fica recheado de pessoas fazendo piqueniques. São grupos grandes, são grupos pequenos, são casais, são pessoas sozinhas… Por todos os lados, vejo gente estendendo seus tapetes para piquenique, compartilhando comida e celebrando a vida.
Perto de mim havia um grupo de adultos e crianças. Um homem estava coordenando um menino e duas meninas, cujas idades talvez regulavam entre cinco e oito anos. Quando os vi pela primeira vez, o adulto estava demonstrando como correr de um ponto até outro e voltar. Depois, as crianças passaram a disputar corrida entre si. Uma das meninas era bem pequena, então consistentemente ficava para trás. Num dado momento, a menina mais velha (digo mais velha, porém se ela tinha sete ou oito anos, era muito) chegou ao ponto, virou-se e voltou a correr de volta para a chegada. Acredito que naquele momento ela só tinha olhos para a competição contra o menino que regulava com sua idade, por isso não viu que a menininha menor estava em seu caminho. As duas se trombaram (se peixaram, em bom gauchês) e o choro da caçula virou o centro das atenções de crianças e adultos. Uma mulher adulta a distraiu um pouco, ela parou de chorar, mas logo em seguida continuou, como acontece quando as lágrimas não são fruto de dor física.
O menino veio até ela e deu dois tapinhas leves na cabeça da menina, dizendo alguma coisa que não escutei. A menina se aprumou e voltou para a posição de largada. Todos os adultos em volta aplaudiram e comemoraram o retorno – ou a recuperação do silêncio, não tenho certeza. Achei a cena bonita e voltei a ler meu livro com um sorriso no rosto.
Comentário aleatório: não sei se é efeito da baixa taxa de natalidade ou algum outro aspecto cultural do Japão, mas raras vezes ouço choro de criança por aqui.
Cerca de uma hora depois, senti um pingo de chuva.
Eu ainda estava sozinho com meu livro. Algumas das pessoas convidadas já haviam cancelado e outras só chegariam mais tarde.
Mais pingos de chuva.
As pessoas ao redor de mim começaram a se movimentar igual formigas quando alguém pisa no formigueiro, indo de um lado para o outro recolhendo seus itens de interesse e lentamente formando uma onda de humanos caminhando em direção ao metrô.
A previsão do tempo sugeria que, se chovesse, seria breve. Pensei nisso, pensei em passar o resto do domingo jogando videogame, pensei em esperar pelas pessoas, pensei na frustração que acumularia se eu tomasse chuva e ninguém viesse.
Decidi levantar acampamento e ir embora.
Assim que terminei de enviar mensagens para as pessoas convidadas informando sobre o piquenique cancelado, duas pessoas responderam.
Uma delas me disse que estava com outro grupo e que poderia me acolher, já que eu estava sozinho. Essa pessoa havia se comprometido em participar do piquenique que organizei, então me senti frustrado e preferi não ir ao seu encontro.
A outra pessoa que mandou mensagem foi um moço japonês com o qual eu vinha conversando no Tinder. Ele me contou que estava com um grupo de pessoas que não conhecia, pois quem o convidou para o parque tinha ido embora. Como eu já estava por lá, resolvi pelo menos dar um oi.
Quando o encontrei, ele estava em um grupo de pessoas que falavam em japonês. Fiquei inicialmente intimidado, mas tudo bem. Uma moça que estava no grupo me perguntou (em inglês) se eu queria me juntar a eles, pois iam sentar em algum canto e beber. Decidi compartilhar meus utensílios e fomos todos juntos para debaixo de uma árvore. A chuva havia parado, então estendemos a lona, colocamos as comidas e bebidas no meio e continuamos a conversar.
No final das contas, além do moço do Tinder, apenas um outro dos meus convidados veio ao piquenique. Não sei dizer se foi porque eu estava me divertindo ou porque meus anos de experiência organizando eventos me prepararam para isso, mas a verdade é que não me senti frustrado com a falha do plano original. Minha intenção inicial se cumpriu: passar o dia curtindo um tempo bacana com pessoas.
Recentemente, vi no Instagram um vídeo em que uma mulher sugere que, como escritores, deveríamos colecionar as delicinhas que lemos por aí, aqueles momentos em que algo nos afeta de um jeito especial, para então replicarmos esses momentos em nossa própria escrita.
Acho que essa ideia se aplica para muitas coisas: o caminho para uma boa vida passa por prestar atenção ao que nos toca e cultivar mais desses momentos. Além, é claro, de tomar nota do que não funcionou pra gente e procurar formas de melhorar.
Na volta para casa, peguei o trem com o moço do Tinder. Quando chegou minha estação, na hora da despedida, perguntei se poderia abraçá-lo. “No trem?”, ele perguntou, discretamente olhando para as pessoas ao redor. Nos despedimos com um tímido aceno de mãos e depois com outro aceno através da janela.
A vida pode ser muito bonita.
Gostei muito do que a
escreveu neste texto sobre como a instituição casal muitas vezes atrapalha nossas vidas:E sempre gostei do formato “responder perguntas dos leitores”, então criei um formulário no Google para quem quiser me perguntar qualquer coisa, pedir opinião, contar uma história etc. É só clicar no botão, escrever tua pergunta e no futuro talvez eu escreva uma edição do Olhar de Raposa a respeito.
Muito obrigado pela leitura!
Com carinho,
Tales
Aaaaai obrigada por indicar meu textim/reclamacao! 😍