🦊 A vontade de saber
Por que as pessoas se sentem no direito de saber sobre a vida privada das outras?
Éramos três naquela noite, sentados em fila para assistir a uma apresentação de comédia. Eu era o amigo em comum dos outros dois e recebi a pergunta:
– Como vocês se conheceram?
– Nos conhecemos pelos aplicativos – respondi.
Para homens gays, aplicativos de relacionamento talvez sejam o jeito mais usual de conhecer outras pessoas. Imagino que festas e amigos em comum sejam os outros dois principais métodos, do Brasil ao Japão.
– Mas são amigos, só amigos, ou estão…? Porque né, quando se conhecem pelos aplicativos…
Embora eu não veja problema em revelar que sim, transamos um par de vezes, porém ainda não formulamos margens definindo que relação é essa que estamos começando a elaborar, não sei o quão à vontade meu amigo se sentiria com as dinâmicas do nosso relacionamento sendo expostas para saciar a curiosidade alheia. Ainda não conversamos sobre isso, então não sei o quão público ele quer ser sobre nossas experiências compartilhadas. Por conta disso, me senti desconfortável com a pergunta.
Acabei respondendo alguma coisa vazia como “amizade é um conceito amplo” e mudando de assunto, mas a verdade é que eu queria ter sustentado o incômodo por tempo o suficiente para explicitá-lo. Queria ter respondido “não entendi o que tu está perguntando, poderia explicar?” e talvez adicionado “por que gostaria de saber sobre isso?”.
Quando se trata de sexualidade e relacionamentos amorosos, estamos acostumados com a presunção do direito de saber. Se amigos transam, são amigos coloridos. Se duas pessoas se relacionam romanticamente, são um casal. Por alguma razão, essas definições prontas oferecem segurança e aconchego para quem vê de fora a dinâmica entre aqueles humanos.

Eu queria dizer que estou acima dessas questões, que já superei seus efeitos, mas estaria mentindo. Ano passado, vivi um relacionamento que envolvia sexo, conversas longas sobre experiências de vida, jogos e saídas com amigos. A frequência, constância e intimidade dos nossos encontros me levaram a, sem perceber, criar a expectativa de que eu seria reconhecido e apresentado aos outros como alguém diferenciado na vida do moço. Quando isso não aconteceu, me revirei em ciúmes e inseguranças. No fundo, estava buscando alguma forma de segurança afetiva, mas ela não surge da maneira como nomeamos as coisas e sim a partir de uma escolha de confiança, um ato de fé.
Acredito que estamos todos almejando ter nossas necessidades bem cuidadas e atendidas, a ponto de desejarmos uma realidade estável, fixa e conhecida. Infelizmente, tal realidade não existe, é ilusão, tanto porque não temos como saber tudo o que há quanto porque tudo muda o tempo inteiro.

Eu entendo a curiosidade sobre relacionamentos alheios. Inclusive, uma das minhas brincadeiras favoritas é observar pessoas juntas na rua e imaginar suas histórias, tramas e sentimentos. Além disso, admito que já dediquei mais tempo do que gostaria tentando saber sobre a vida afetivossexual de outros humanos.
Talvez meu incômodo tenha surgido não da vontade de saber, algo que compartilho, mas da audácia de perguntar na cara dura, algo que não me vejo fazendo – seja por respeito, seja por receio de conflitos –, bem como da dificuldade em estabelecer uma fronteira clara que diga: “isso diz respeito apenas a nós dois”.
No futuro, espero juntar coragem suficiente para responder desta forma.
👀 Recomendações da raposa
Algumas coisinhas que vi por aí e resolvi compartilhar.
No Dense Discovery desta semana, encontrei um texto bacana chamado The twelve fundations for a good life (em inglês)
Tenho dedicado um tempo grande da minha vida no site Lofi and games
Grant Snider publicou um artigo com uma receita para histórias (em inglês)
A
está de volta à sua newsletter com o profundo Escrevo como quem recomeça
Muito obrigado pela leitura!
Com carinho,
Tales
Eu tenho me incomodado bastante com essa necessidade dos outros em encontrar algum rótulo o mais rápido possível em uma interação. Pq é que precisamos saber se alguém é isso ou aquilo? Tenho olhado da perspectiva da infância e a profunda tristeza que é um bebê de 3 meses, por exemplo, ser taxado de ranzinza por estar olhando mais compenetrado pra algo. POXA ele ta conhecendo o mundo, não é intrigante? Um olhar franzido diante de algo tão fantástico define um traço de personalidade assim tão claramente? Meu maior incômodo com esses rótulos é que acabam se tornando profecias autorealizáveis que limitam as existências 😞
Para tudo que é tipo de relacionamento, existem todos os contextos explicitados aqui no texto, em geral. Sempre cada um sendo de uma máxima dificuldade e complexidade em um âmbito geral.