Bom dia!
Estou em Tóquio para estudar japonês e minhas aulas começaram esta semana. São quatro horas de segunda a sexta, além da imersão cultural e da constante sensação de analfabetismo enquanto olho as placas sem conseguir ler a maior parte delas.
Quando planejei minha viagem para o Japão, já sabia que esse estado de cansaço e confusão contínuos seriam meus companheiros, então para mim esses elementos são parte da diversão – lembrando que frustração muitas vezes é um fator crucial em nossas experiências que divertem.
O que eu não estava preparado era para o tapa no ego que veio na forma de avaliar meu próprio aprendizado do idioma.
Comecei a estudar japonês há quatro anos, mais ou menos, e meu avanço sempre foi lento. Comecei a pensar em mim como “o pior aluno da turma” em termos de conhecimento e habilidade, um lugar que não estava acostumado a ocupar, mas que fazia sentido com o que estava percebendo. Abordei meu aprendizado de japonês da mesma maneira que o fiz com inglês, nos tempos de escola, e os resultados foram consideravelmente inferiores. Inglês, aprendi em dois anos e segui a vida praticando. Japonês, agora com mais de o dobro do tempo e ainda não desenvolvi um mínimo para me sentir confortável em conversas cotidianas.
Antes de vir ao Japão, a escola ofereceu um curso básico gratuito. Durante o curso, me senti de volta ao costumeiro lugar de arrogância: eu era a pessoa que tranquilamente respondia a todas as questões e entendia todos os conceitos, pois já havia estudado eles todos. Pensei comigo “ora, os anos de estudo realmente serviram para alguma coisa, veja só como estou melhor que os outros”.
(Esse pensamento de comparação e competição está tão colado em mim que tenho dificuldade em deixá-lo de lado.)
Daí começaram as aulas aqui no Japão. Meus colegas foram colocados no primeiro nível, o Básico 1. Eu fui colocado no Básico 2. Ao todo, são sete níveis (dois básicos, três intermediários e dois avançados). Olhando o livro de estudos, reconheci as estruturas todas. No Brasil, concluí recentemente o “pré-intermediário 1”. Após o primeiro dia de aula, pensei que valeria a pena pedir para mudar para o Intermediário 1, dado meu nível de conhecimento.
Aí veio o segundo dia de aula. Começamos com ditado, incluindo os kanjis que havíamos estudado no dia anterior (então eu tinha que ter memorizado e praticado não apenas a leitura, mas também a escrita deles, de um dia para o outro?), palavras em katakana (o alfabeto para palavras estrangeiras, que eu ainda tropeço bastante para ler, que dirá para escrever) e frases inteiras (essa parte, pelo menos, consegui razoavelmente bem). A aula inteira correu em um ritmo estonteantemente rápido, terminei o dia me sentindo perdido. Já ali me convenci de que não, eu não deveria migrar para um nível acima. Porém, foi o dia seguinte que cimentou esse pensamento.
Tenho um colega que parece saber bastante de japonês. Ele entende as estruturas, tem vocabulário extenso e já esteve no país várias vezes. Eu leio a postura dele em sala de aula como entediada, exatamente o que eu estava experimentando quando fiz o curso básico online com a escola.
Ao final da terceira aula, ele foi conversar com a professora sobre avançar um nível, pois estava achando tudo muito fácil. A professora respondeu algo que me marcou:
“Eu acho que você está no nível certo. Você tem muito conhecimento e já estudou bastante, mas você não consegue ainda falar com a fluência do próximo nível. Conhecer e saber fazer são coisas diferentes.”
É isso!
Concentrei meu aprendizado em saber japonês de longe. Analisar sentenças, entender como elas funcionam, reconhecer kanjis, porém sem falar espontaneamente, sem arriscar não entender as coisas de ouvido, sem escrever direito.
Eu estava aprendendo, mas não estava estudando japonês.
Passei meus primeiros anos aprendendo o idioma a partir de uma postura passiva, esperando que meus professores me trouxessem o conhecimento e me ajudassem a superar quaisquer barreiras pelo caminho, porém sem chafurdar na experiência. Mesmo quando fiz aulas particulares, repeti esse padrão: eu ia para as aulas sem me preparar para elas.
As aulas eram coisas que eu consumia em vez de experiências que eu vivia.
Isso diz de um modo muito específico de estar no mundo, de conhecer as coisas sem necessariamente saber vivê-las. Sou assim com tantas coisas. Costumo pensar em mim mesmo como “perdido” porque, embora saiba como muitas coisas são feitas e vividas, me falta a experiência de realmente vivê-las, e quando não sei, em geral evito em vez de tentar, experimentar, ousar.
Não é a primeira vez que percebo isso. Me pergunto se, desta vez, conseguirei fazer alguma coisa a respeito…
Já escrevi algumas vezes sobre meu medo da rua. Aqui em Tóquio, onde não tenho sentido esse medo, a rua me convida e tenho atendido ao chamado. Ainda quero escrever sobre o privilégio da presunção de segurança, algo que como brasileiro tive menos acesso que outras pessoas, mas não será hoje.
Se quiser acompanhar reflexões mais pontuais e conversar comigo, estou no Instagram e de vez em quando publico posts e stories. 😊
Imagem da semana
Para olhar por aí 🧐
Da importância de estar em contato com a bondade
Um texto bonito do Luri.
.
Sobre vergonha e a versão sem preparo
Um texto da Bárbara Bom Angelo na newsletter da Carolina Sandler que toca em um tema que me importa e mobiliza demais: a vergonha de ser lida como uma novata, alguém que não sabe como as coisas funcionam. No fundo, a dificuldade de ser vulnerável.
Se algo nesta carta digital te tocou, agradou ou incomodou, me deixa um comentário? E se ainda não assina, fica aqui o convite:
Com carinho,
Tales
Essa frase me tocou...tantas coisss conheço e não sei como fazer! Tenho dificuldade em mergulhar fundo em uma experiência. Na verdade, nem sei nadar, imagina mergulhar!
Belo texto. Como sempre! 🤩