Um amigo me disse: “as pessoas que tenho na vida hoje me são suficientes, não estou a fim de procurar gente nova, quero dedicar tempo para cultivar as relações que já existem”.
Como assim, suficiente? Não é para querer sempre mais?
Volta e meia sou atacado por um bichinho que me morde o pescoço e sussurra que eu deveria estar fazendo mais. Ensinando mais. Produzindo mais. Criando livros, ajudando a criar livros, divulgando, chamando as pessoas, aparecendo na mídia, crescendo, impactando mais pessoas etc. Até mesmo durante as férias eu tinha a constante ideia de que deveria estar curtindo mais, saindo mais, descansando mais.
Às vezes me pego pensando que gostaria mesmo que o Ninho de Escritores fosse gigantesco e tocasse milhões de vidas. Como não, um projeto tão legal? Curioso como também me pego esperando isso dos meus textos, quadrinhos, cursos etc. Será que eu sou tão legal assim que o mundo inteiro tem que me conhecer?
A noção de crescimento contínuo e infinito é uma herança do pensamento capitalista e influencia diretamente a maneira como nos relacionamos. Inclusive, recentemente me afastei um pouco do Instagram porque não estava conseguindo me desconectar da pressão, em parte autoimposta, em parte reforçada pelos mecanismos da própria plataforma, de buscar mais pessoas, curtidas, comentários e compartilhamentos. Cada post ou story que não alcançava mais seguidores do que antes me parecia uma falha de comunicação, um momento desperdiçado. Chegava a doer.
Quando coloco isso em palavras, fica bem evidente como esse pensamento me parece fora de lugar. Ainda assim, era algo muito concreto, muito real, que senti nesses momentos. Que, aliás, ainda sinto quando publico algo pensando que quero um retorno.
A dinâmica das redes sociais me engana com os números. Num encontro presencial, uma pessoa me escutando e conversando comigo é tudo o que preciso para tornar um momento de encontro algo lindo e potente. No Instagram, se menos de 100 pessoas veem um story, parece que não foi nada – mesmo sendo 100 pessoas! Aqui na newsletter, tenho feito esforço para não cair nessa mesma armadilha.
(Aliás, boas-vindas a quem chegou aqui na newsletter recentemente a partir da Carla Soares, uma das joias que ganhei na vida por intermédio do Ninho – e se tu não chegou aqui a partir da indicação dela, dá uma olhada no Outra Cozinha, um projeto maravilhoso de pensar a vida partindo da nossa relação com a comida.)
O que seria alcance suficiente para um story ou para uma newsletter?
Para ser honesto, nunca me fiz essa pergunta antes. No passado, quando o Ninho de Escritores era uma das principais fontes de renda, alcançar mais pessoas significava converter esse alcance em possíveis clientes e, por tabela, cuidar da minha saúde financeira. Não crescer, portanto, implicava em arriscar minha comida e meu teto.
Desde que comecei a buscar minha renda em outras fontes, uma série de coisas se transformaram na vida (falei sobre algumas delas no texto Vamos falar sobre dinheiro?). Uma das principais mudanças diz respeito a não mais correlacionar quantidade de seguidores (no Instagram), leitores (na newsletter e nos blogs) ou participantes (nos projetos do Ninho) com sobrevivência.
Hoje, fico muito feliz quando alguém conversa comigo sobre o que escrevi, mesmo quando é apenas uma pessoa. Saber que algo que escrevi gerou um afeto em outro ser humano me importa e me motiva. Então talvez “uma pessoa” seja alcance suficiente, se eu estiver consciente desse afeto.
Por isso, fica o convite: se algo neste texto mexeu em algo aí dentro – com uma ideia, com um sentimento –, me conta? 🙂
Uma metodologia: Dragão Sonhando
Conheci há alguns anos uma metodologia para o desenvolvimento de projetos coletivos chamada Dragon Dreaming (Dragão Sonhando). Com um grande foco em comunidade e na inclusão de todas as pessoas envolvidas, o Dragão Sonhando possui uma série de valores e princípios que caminham na contramão do que o capitalismo prega. Por exemplo, a ideia de que mais não é melhor ainda hoje me arrepia ao lembrar que não é porque cresceu que é positivo.
Para saber mais sobre o Dragão Sonhando, três recomendações: o site do Dragon Dreaming Brasil, meu texto Os três valores para acionar o sonho e meu outro texto Seja exuberante.
Uma música - Eu quero sempre mais, Pitty e Ira
Quando pensei nesse texto, essa música ficou cantando no fundo da minha cabeça sem parar, então achei justo compartilhar contigo.