Nesta semana conversei com uma amiga que, depois de me contar sobre seu medo que o companheiro estivesse escondendo coisas dela, me confidenciou que havia recebido uma massagem tântrica em segredo enquanto o parceiro viajava. Ela não quis contar porque temia a reação do parceiro.
Eu adoraria ser uma autoridade moral sem falhas, pronta para julgar a experiência alheia, mas a verdade é que sei bem como é estar nesse mesmo lugar.
O caso mais recente foi enquanto estive no Japão.
Desde o início do nosso relacionamento, Ayrton e eu sempre conversamos com muita transparência. Na época em que nos encontramos pela primeira vez, eu ainda estava namorando um outro moço, também num formato aberto de relação, o que deixou muito claro desde o início que a não-monogamia seria nossa base.
Logo que começamos a nos encontrar com mais frequência, os outros moços com os quais eu me relacionava aos poucos saíram da minha vida. Veio a pandemia e, com ela, uma certa exclusividade de relacionamento afetivossexual. Éramos abertos, mas a prática era a de um relacionamento monogâmico.
Quando voltei a ficar com outras pessoas, conforme as demandas de quarentena foram começando a perder força, levei algum tempo para compartilhar com ele sobre isso. Em relações anteriores, minhas experiências não haviam sido bem recebidas e frequentemente terminavam em discussões e brigas, por isso me sentia hesitante em contar sobre outros caras com os quais fiquei.
Lembro que para contar pela primeira vez, levei duas semanas. Eu queria contar, mas tinha receio da reação, então guardava para mim. Eu queria que Ayrton fosse parte das minhas experiências, soubesse do que vivi, mas tinha medo. Contei e foi leve, simples, tranquilo, assim como nas outras vezes em que compartilhei situações semelhantes.
Pois chegou a hora de ir ao Japão. Enquanto estive lá, explorei diversos encontros e relacionamentos, ao mesmo tempo em que mantinha meu contato com Ayrton intermediado por mensagens de texto diárias. Sem demora, me peguei editando o que estava contando para ele. Se eu saía com alguém para uma festa, falava da festa, mas não da pessoa que me acompanhava. Se eu tinha um encontro, contava sobre a comida, o lugar, até mesmo a companhia, mas não afeto ou sexo. Eu dizia para mim que contaria quando nos encontrássemos pessoalmente, que eu não queria lidar com a possibilidade de ciúmes que a distância poderia fomentar.
Na verdade, meu medo era que minhas ações o incentivassem a buscar outros parceiros e eu que não conseguisse lidar com o ciúme.
Eventualmente, conforme meu relacionamento com Draco se intensificou, decidi contar o que vinha guardando. Isso foi depois de três ou quatro meses no Japão, portanto eu tinha uma grande onda de relatos omitidos.
Ayrton e eu nunca tivemos nenhum acordo em relação a compartilhar obrigatoriamente nossas experiências afetivas ou sexuais com outras pessoas. Fazíamos isso de coração aberto porque havia espaço na relação para tanto. Por conta disso, ambos sabíamos que eu não havia feito algo errado®, mas ainda assim ficou um mal estar, já que eu havia unilateralmente mudado o nível de abertura que havia passado a oferecer.
Curiosamente, na noite em que comecei a compartilhar novamente com Ayrton sobre meus encontros, eu estava saindo com um rapaz pela segunda vez. Neste encontro, descobri que ele havia mentido para mim durante a primeira vez em que nos vimos e também durante uma porção de nosso segundo encontro. Fiquei incomodado, dei sermão, julguei e condenei.
Cara de pau a minha, né?
Tenho pensado muito sobre qual é o lugar da transparência nos relacionamentos afetivossexuais. Na época em que mantinha relações monogâmicas, eu queria saber tudo, especialmente no campo dos sentimentos e das atrações.
Quando penso numa lógica não-monogâmica e não-hierárquica, isso fica mais complexo. Se quero saber sobre as conversas que meus parceiros mantêm com outras pessoas, como fica a privacidade desses outros humanos, que talvez não tenham consentido em ter suas intimidades expostas para mim?
Mais importante do que isso: por que quero saber sobre as conversas e relações que as pessoas que amo mantêm com outras pessoas? Por que me importa, e às vezes até me corrói, querer saber com quem Ayrton flerta, transa ou simplesmente conversa amenidades?
Minha recente reforçada autoconfiança (sobre a qual falei aqui) tem me ajudado a lidar com essa vontade de saber, o que me sugere que talvez exista, plantado em algum meandro do meu inconsciente, um medo de que eu possa ser substituído se as pessoas que amo tiverem experiências “melhores” com outros seres humanos. Quase como se eu fosse um produto que pudesse um dia perder a serventia ou tornar-se obsoleto diante de um modelo novo recém-lançado.
Pois é, a parte mais difícil de ser livre é entender que as outras pessoas também o são.
Talvez alguém que eu amo possa, sim, descobrir um novo amor e querer dedicar mais tempo para essa pessoa. Isso não deveria ser mistério, acontece o tempo inteiro conforme a vida vira pra cá ou pra lá. Às vezes não é um novo amor, mas uma semana pesada no trabalho, um doutorado ou uma doença repentina. A vida segue mudando, assim como nossos relacionamentos, compromissos e níveis de conexão.
Minha vontade de saber e meus movimentos de não contar parecem partir do mesmo lugar: uma tentativa de controlar – e, frequentemente, limitar – o que as outras pessoas poderão fazer com suas vidas para que as minhas experiências sigam “seguras”. Segura, nesse caso, significa igual ao que era antes, de modo que eu não precise me adaptar ou lidar com o que ainda não conheço.
Tudo isso parece vir de um certo medo de encarar a vida como ela é.
Entretanto, não quero mais que esse medo seja o guia das minhas decisões, especialmente quando elas dizem respeito à maneira como me relaciono com pessoas que amo. Pelo contrário, quero que minhas escolhas sejam pautadas na mais pura forma de amor que consigo pensar: o desejo genuíno que todas as pessoas sejam felizes, livres, leves e saudáveis.
E caminho só tem um: ir tentando, de novo e de novo. Algum dia eu consigo. Até lá, sigo compartilhando meus tropeços por aqui.
Com carinho,
Tales
é saudável ter uma parte de nós que fica só para nós mesmos, sabe? nesse sentido, eu noto que as relações NM tem mais nuances, depende sempre da relação de pessoa à pessoa, com cada um dá para ter uma dinâmica diferente. em relação a parceiros e afetos, eu prefiro saber com quem meus namorados estão se relacionando simplesmente pq é uma parte importante da vida deles que é importante para mim estar envolvida. se um deles começa a se relacionar com consistência com alguém novo eu gosto de saber do mesmo modo que faz sentido saber se mudaram de emprego, por exemplo. não chega a ser uma exigência, mas é algo que faz sentido saber. mas, assim como um emprego novo na vida da pessoa, eu também não preciso saber detalhes do dia nem nada, a não ser que a pessoa queira compartilhar, desabafar etc. sabe?
enfim. muito bom ler sobre não monogamia sob esses pontos práticos e com toda essa leveza com que vc escreve, Tales. grande abraço!
Que massa, Tales! Tem sido bom demais acompanhar suas reflexões sobre a não monogamia. Elas tem me ajudado a desmistificar e entender bastante coisa sobre as diversas formas de amar e ser livre. Obrigado por compartilhar.