Eu sou um defensor do amor livre. Já escrevi a respeito algumas vezes pela internet afora, inclusive aqui no Olhar de Raposa (o mais recente aqui). Sonho com um mundo em que as pessoas possam viver e amar com liberdade e tranquilidade, sem que as ideias de posse ou propriedade atravesse nossas relações. Hoje, porém, não quero falar sobre sonhos. Quero contar do que estou vivendo na realidade.
Já experimento com amor livre há algum tempo. Minha primeira vez foi ali por 2010, quando mudei para Goiânia e passei a me relacionar com um moço. Nós queríamos viver essa tal de não-monogamia, porém esquecemos de combinar alguns acordos básicos – por exemplo, o que acontece quando estamos juntos e encontramos outras pessoas com as quais também estivéssemos nos relacionando. No fim das contas, vivemos dois relacionamentos diferentes, ele comigo e eu com ele, cada um acreditando que nossa dinâmica tinha um formato distinto.
Mais recentemente, namorei e desnamorei e namorei de novo um moço e vivi diversas experiências interessantes, muitas delas permeadas pelo ciúme e por longas e enroladas tentativas de conversar sobre o que queríamos. Nessa relação, muitas das nossas escolhas ainda presumiam que era certo uma pessoa definir o que a outra não deveria fazer, em nome do futuro da relação. Hoje compreendo que esse foi um equívoco, um resquício da estrutura monogâmica influenciando nossos acordos.
Essa relação gerou alguns textos bacanas: O que aprendi sobre não-monogamia na Espanha e Meu namorado se apaixonou por outra pessoa, e agora?
Foi nos finalmentes dessa relação que começou meu relacionamento atual, sobre o qual escrevo a seguir.
Neste momento estou hospedado na casa do Ayrton. Já faz três anos que estamos nos relacionando afetivossexualmente. Não temos um nome que designe a relação que mantemos, embora utilizemos a palavra “namorados” quando não estamos dispostos a discorrer sobre nossas dinâmicas relacionais. Em geral, não gosto da palavra “namoro” porque ela carrega consigo uma série de expectativas que vêm da monogamia: fidelidade, exclusividade, restrição etc.
Quando nos conhecemos, passamos semanas, talvez até dois meses, conversando pela internet antes de marcarmos um primeiro encontro. Passamos cinco horas caminhando e conversando até Ayrton fazer o movimento de me beijar – se dependesse de mim, talvez isso não tivesse acontecido, em parte porque eu não estava planejando ficar com ele, estava o encontrando para ver o que aconteceria.
Sou o tipo de pessoa que planeja tudo com antecedência e que tem dificuldade em ser espontâneo (preciso planejar os momentos de espontaneidade). Esse, porém, é tema para algum outro texto no futuro.
Ficamos, dormimos juntos, continuamos nos encontrando. Desde nossas primeiras conversas, Ayrton sabia que eu ainda estava me relacionando com outra pessoa. Na época eu já não estava mais namorando, porém ainda mantinha a relação mencionada nos textos acima. Eu sabia que ele estava ainda com o ex-namorado morando em sua casa. Sobre tudo isso e muito mais, a gente conversava.
Ao longo desses três anos, me peguei pensando se havia algo errado com a nossa relação porque eu não sentia aquele arrebatamento explosivo da paixão, apenas uma tranquila e constante serenidade. Estar com o Ayrton é fácil. Se algo nos incomoda, a gente conversa. Se algo nos assusta, a gente conversa.
Lembro de uma vez em que fiquei com um rapaz num raro momento de espontaneidade. Fiquei com medo de que, ao contar para Ayrton, nossa relação fosse mudar, que ele passasse a agir com ciúme e raiva, reações que eu havia encontrado no passado. Encontrei curiosidade e interesse. Ele estava genuinamente feliz pela minha experiência com outro ser humano.
Essa tranquilidade é o que me permitiu sonhar voos maiores. Passarei sete meses no Japão a partir da próxima terça-feira. Vou sozinho, Ayrton continuará trabalhando e vivendo por aqui. Eu não sei que tipos de impactos vão atravessar nossa relação nem quem nós seremos em maio de 2023, data do meu retorno previsto, e isso me deixa ansioso e preocupado. Ao mesmo tempo, me deixa feliz saber que estou disposto a perseguir essa viagem – que para mim é um sonho – e que encontrei em Ayrton o apoio para ir atrás do que me importa.
Quando converso sobre não-monogamia / amor livre com as pessoas, sempre sugiro que o modo mais eficiente de dar os primeiros passos nesse não-modelo relacional é se relacionando com pessoas que já estejam praticando há algum tempo e que sejam seguras de seus próprios sentimentos.
Do contrário, o risco é ser dragado de volta para a lama monogâmica do ciúme, do controle e da posse.
Não sei o que será da nossa relação após meu embarque. Temos planos e ideias para meu retorno, mas seremos duas pessoas muito diferentes quando essa hora chegar. Tudo o que podemos fazer é viver o presente conforme o presente se desvela, sem que o medo dos futuros possíveis esmague nossas possibilidades de vivermos livres, leves e conectados com o que nos importa agora.
E quando as coisas mudarem – e vão mudar, porém dificilmente de alguma maneira que sejamos capazes de prever – a gente senta e conversa a respeito como os adultos que somos. 🥰
Para olhar por aí 🧐
Racismo institucional
A advogada Fayda Belo denuncia como o racismo institucional segue funcionando e afetando as pessoas negras em dobro.
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Invisibilidade bissexual
Recomendo a leitura desta coluna de Winnie Bueno sobre sua experiência enquanto uma pessoa bissexual e como essa identidade sofre apagamentos.
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Homossexualidade, Copa do Mundo e Qatar
No Qatar, país sede da Copa do Mundo de 2022, homossexualidade pode ser punida com até sete anos de prisão. Meu voo de retorno do Japão para o Brasil passa pelo Qatar – considero seriamente mudar o roteiro, não tanto por receio de que alguém veja minha personalidade exuberante no aeroporto e queira exercer essa lei absurda e retrógrada sobre mim, mas por uma questão ideológica de não querer estar, por mais breve que seja, em um país no qual minha existência e meus afetos são considerados criminosos.
Se algo nesta carta digital te tocou, agradou ou incomodou, me deixa um comentário? E se ainda não assina, fica aqui o convite:
Com carinho,
Tales
Adorei o texto e a história com o Ayrton! E boa viagem... quero acompanhar essa experiência!!!