Estudar japonês me bagunça. Em 2018, quando comecei meu primeiro curso, descobri uma sensação da qual fugi desde os tempos de colégio: ser a pessoa que mais erra, que menos entende, que demora a aprender.
Não é que eu seja ó tão inteligente. Tenho alguma facilidade para entender esquemas e estudei jornalismo, que é a arte de falar profundamente (por até dois minutos) sobre qualquer assunto. Ou seja, em qualquer campo que envolva humanidades, costumo me virar razoavelmente bem.
A língua japonesa, porém, é diferente de tudo o que eu conhecia. Se em português digo “Eu quero comer pão”, em japonês fica “Pão comer quero” – em geral com o “eu” subentendido. Não fosse o suficiente, entram os alfabetos (sobre os quais falei em outro texto) e a frase fica assim: パンを食べたいです。
Depois de um punhado de anos estudando, consigo expressar ideias básicas. Sei perguntar onde está o banheiro e quanto custa alguma coisa, sei dizer o que quero comer, onde nasci e o que acho sobre um determinado lugar. Minha capacidade de interagir com o mundo se amplia conforme vou aprendendo novas palavras e expressões. Ao mesmo tempo, tenho consciência de uma série de limitações. Não consigo ainda, por exemplo, explicar que busco praticar a não-violência, que estudo cultura visual e teoria queer, ou como elaborar uma narrativa.
Coisas que sei, mas não sou capaz de expressar.
Essa imagem é de um dos dicionários que uso em meu celular. Com ele, reconheço caracteres japoneses a partir de fotos e posso buscar as palavras e expressões. Hoje aprendi que お待ちしております (omachi shite orimasu) significa algo como “estarei esperando por você”.
Na próxima vez em que eu quiser dizer algo assim, será que lembrarei? É provável que não. Creio que serão necessárias algumas repetições e conexões entre neurônios para que esse aprendizado cristalize aqui dentro.
Uma parte significativa de aprender outro idioma, especialmente um que tanto me desafia, tem sido conviver com o desconforto. Aceitar que ele será parte da experiência e não fugir para algo mais simples, conhecido, seguro. Vontade de largar tudo, até que dá, mas minha vontade de saber é maior.
Com muita frequência me perguntam por que eu quero aprender japonês. Não sei, não tenho uma boa resposta. O Japão me interessa, a cultura me encanta, as pessoas me atraem. Pode ser porque assisti anime na infância, pode ser porque meu tio estudava o idioma e isso me deixou uma impressão que perdura, pode ser porque minha prima é japonesa, pode ser porque um dia apareceu a oportunidade e eu achei interessante essa mistura de frustração ao falhar e êxtase ao entender (que seja uma fraçãozinha de sentido).
Estudar japonês me põe em movimento e isso tem sido suficiente para mim.
Não fosse, eu provavelmente já teria cedido frente ao tamanho do desconforto que sinto quando não entendo o que estou lendo ou ouvindo, ou quando não consigo colocar em palavras o que gostaria de dizer.
Dois textos sobre motivação
Os temas do aprendizado e da motivação me interessam muito e já escrevi um bocado sobre eles. Dois textos meus que recomendo:
Um kanji - 日
Ao que parece, o kanji 日 é o mais comum da língua japonesa. Ele significa dia, sol e Japão. Se escrevo その日 (lê-se “sonohi”), estou dizendo “esse dia” (その [sono] significa “esse”). Onde quer que esse kanji esteja, é provável que o significado esteja conectado com essas ideias de dia, sol ou Japão.
Por exemplo, se escrevo 日本 (lê-se “nihon”), digo “Japão”. Se acrescento o kanji de “pessoa” ao final, 人 (“hito”), fica 日本人 (lê-se “nihonjin”), o que significa “japonês” (pessoa japonesa, não o idioma).
Agora, se escrevo 今日 (lê-se “kyou”), talvez eu não saiba o significado de imediato, mas quando aprendo que 今 (“ima”) significa “agora”, agora + dia vira “hoje”.
É claro que não se comparar com aprender japonês, mas estou tentando aprender italiano sozinha há algum tempo e percebo que tenho muito mais dificuldade hoje em dia, mas acredito que seja pela idade. Adorei o texto, obrigada!