🦊 Turistas pagam mais caro
Algumas notas sobre restaurantes e atrações que cobram preços diferenciados para residentes e turistas aqui no Brasil
Estava em um restaurante e abri o menu em inglês para verificar as opções. Mesmo sendo um restaurante conhecido, gosto de verificar se há opções novas quando vou lá. Eis que, logo no início do menu, me deparei com uma mensagem dizendo que o restaurante agora cobra um valor diferente (mais alto) para pessoas que não residem no Japão.
“Um valor diferente” significa um aumento de mais de 50% sobre o preço original: de ¥1800, mais ou menos R$60, para ¥2800, ou R$95.
Tenho visto nas notícias discussões sobre o impacto do turismo em excesso aqui no Japão e medidas preventivas, de reservas feitas com meses de antecedência a bloqueios em pontos onde pessoas atrapalham a vida local para tirar fotos. De um jornal:
Eles lotam a estreita calçada em frente à loja, fumam em áreas proibidas, atravessam a rua no sinal vermelho e até já subiram no telhado de uma clínica odontológica para fotografar.
Uma das discussões mais recentes diz respeito à cobrança de preços diferenciados para estrangeiros como uma forma de reduzir a presença e, por tabela, o impacto dos turistas.
Uma amiga disse que concordava com essa política. Como eu, ela é uma estrangeira com direito de residência no Japão e com frequência precisa lidar com ruas, restaurantes e atrações lotadas, além de pessoas que obviamente desrespeitam as regras e os costumes locais.
“Eu quero poder ir em um bom restaurante sem precisar esperar uma hora em fila todos os dias”, ela comentou.
De fato, ao menos em Tóquio, é difícil ir a qualquer lugar sem nadar em um mar de pessoas, muitas das quais são turistas e tendem a se comportar de forma a atrapalhar o fluxo local. Por exemplo, Shibuya Crossing é um lugar difícil de caminhar, mas fica ainda pior com os streamers e outros influenciadores digitais ocupando espaço para gravar seus vídeos enquanto outras pessoas querem simplesmente atravessar uma rua.
Por esta perspectiva, entendo a ideia de cobrar mais para que turistas possam acessar locais e atrações. Com preços mais altos, o número de pessoas provavelmente reduziria, também abrindo espaço para que residentes possam desfrutar de atrações que hoje encontram-se lotadas.
Entretanto, há duas questões que gostaria de considerar.
Em primeiro lugar, o Japão é um país com um poder cultural significativo no cenário global, encantando pessoas com sua cultura (artes marciais, mangás e animes, doramas etc.). Muito da vida em Tóquio gira em torno do consumo de mercadorias produzidas com base em produtos culturais, e não tenho dúvida de que o dinheiro de turistas é parcialmente responsável pela força, talvez até a sobrevivência, deste setor.
Naturalmente, para fazer uma afirmação melhor embasada, seria necessário avaliar os dados disponíveis sobre o impacto financeiro dos turistas no país. Além disso, sei que estou falando a partir de Tóquio, que provavelmente existe de forma diferente do restante do país. Isso dito, tenho a impressão de que muito do país está especialmente organizado para atrair turistas, incluindo cidades menores. Por exemplo, quando visitei a pequena Chichibu em busca de um onsen, desde Tóquio era possível ver anúncios diversos chamando para as belezas e delícias das cidades do interior.
Honestamente, me pergunto o que seria do Japão com menos turistas.
A segunda questão que gostaria de considerar é: nem todos os turistas vêm de países com moeda forte. Sim, hoje um dólar compra ¥157, portanto um prato que custa ¥1800 converte para US$11, um preço irrisório para um norte-americano. Pagar ¥2800 (US$17) por uma bela refeição ainda é incrivelmente mais barato do que se pagaria nos Estados Unidos por algo similar.
Como brasileiro, porém, os mesmos ¥1800 já são R$60, um valor proibitivo para a maioria das pessoas. O Brasil, assim como tantos outros países que foram historicamente colonizados e explorados pela Europa e pelos Estados Unidos, têm um acesso financeiro muito inferior no cenário global.
Cobrar mais de turistas sem considerar de onde estão vindo, na prática, equivale a erguer mais uma barreira geopolítica – além do poder diferenciado de certos passaportes, da necessidade ou não de vistos etc.
Por conta disso, me parece uma solução que exclui ou prejudica ainda mais quem já enfrenta barreiras para desfrutar das mesmas opções, reforçando as diferenças de poder econômico e trânsito que já estão estabelecidas no mundo atual.
Reconheço o desejo de proteger o país do fluxo excessivo de turistas. Ao mesmo tempo, me importa considerar jeitos de construir uma sociedade mais justa, democrática e solidária. Em um texto anterior, escrevi sobre o livro Como ser anticapitalista no século XXI, de Erik Olin Wright:
Erik apresenta três valores fundamentais para criticar a moralidade do capitalismo, resumidos desta maneira:
em uma sociedade justa, todas as pessoas teriam amplo e igual acesso aos meios materiais e sociais necessários para viver uma vida plena [... e] as gerações futuras devem ter, no mínimo, o mesmo acesso aos meios materiais e sociais necessários para obterem vidas plenas que a geração atual possui;
em uma sociedade totalmente democrática, todos teriam amplo e igual acesso aos meios necessários de participar na tomada de decisões substantivas sobre aquilo que afeta suas vidas;
comunidade/solidariedade expressa o princípio pelo qual as pessoas devem cooperar umas com as outras não apenas por aquilo que recebem individualmente, mas por comprometimento real com o bem-estar dos outros e por um senso de obrigação moral de que isso é o certo a ser feito.
Neste momento, não tenho respostas, mas estou interessado em continuar conversando sobre esse tema. Se quiser participar dessa conversa, por favor deixe um comentário ou entre em contato comigo diretamente por mensagem.
Com carinho,
Tales