Eu não tenho compartilhado muitas imagens, vídeos e novidades durante minha viagem. Às vezes faço isso aqui e ali, seja individualmente com amigos mais próximos ou no Instagram, porém ainda de forma bastante espaçada. Acho que, de alguma maneira, estou confiando na memória para carregar comigo as impressões mais fortes da existência aqui no Japão, mesmo sabendo que memória é traiçoeira e limitada.
Talvez seja um bom momento para recomeçar a escrita de um diário de afetos, no mínimo para manter viva a experiência desses momentos 🤔
Do avião, enquanto sobrevoava a Ásia, vi uma cadeia de montanhas altíssima. Fiquei curioso, olhei no mapa do avião e descobri que é uma cordilheira chamada Bogda Feng, cuja altura alcança 5445 metros. Quando voo, normalmente é difícil enxergar qualquer coisa à noite, especialmente em regiões sem luz, mas durante quase toda a viagem foi possível ver vastas regiões tomadas por montanhas. Meu celular estava guardado e eu precisava me remexer bastante para pegá-lo, então tirei poucas fotos, mas sigo impressionado com o que vi.
Pousei em Tóquio pelas 16h30. Não muito mais tarde, anoiteceu. Por aqui o sol tem se posto por volta desse horário e imagino que isso vá acontecer cada vez mais cedo conforme avançamos no inverno aqui do hemisfério norte.
Na primeira noite, fiquei muito cansado da viagem, pois foram 30 horas reais e 45 horas no relógio (por causa da mudança de fusos horários). Saí apenas para procurar comida e, como não estava em condições de pensar muito, fui a uma loja de conveniência (kombini). Essas lojas estão espalhadas por todos os cantos aqui no Japão, funcionam 24 horas e sempre têm um apanhado de itens úteis, de guarda-chuvas a comidas, passando por cadernos, roupas emergenciais, revistas e caixas eletrônicos.
O que me chamou a atenção nesta noite foram os becos pequenos e escuros (escolhi uma foto com bastante luz, mas bastava virar para um lado ou outro para ter uma visão bem distinta.
No Brasil essa passagem teria me deixado com muito medo. Logo que cheguei, levava ainda comigo esse receio e fui e voltei rapidinho, porém cada vez mais tenho aceitado a ideia de que por aqui o perigo dificilmente se manifestará de forma física.
O primeiro dia em Tóquio foi frio e chuvoso, o que me deixou apreensivo. Será que toda a viagem seria assim? Um par de dias depois a chuva parou e desde então o tempo tem se mantido seco, às vezes gelado, mas praticamente sem chuva.
Tóquio é uma cidade de contrastes. De um lado tudo super iluminado, intenso e cheio de gente; de outro, um templo silencioso. Lado a lado, coisa de uma rua de distância.
Aliás, Tóquio nem uma cidade é, mas sim uma coleção de cidades coladas umas nas outras e interconectadas. Eu moro em Shinjuku, por exemplo, que tem uma prefeitura própria. É um tanto complexo, porém muito interessante observar como cada cidade/prefeitura tem tudo o que uma pessoa precisa para viver. Eu não precisaria sair de Shinjuku se não quisesse e teria uma vida fabulosa por aqui.
Um dia saí para caminhar a esmo e fui parar em no Parque de Shinjuku. Nele vi uma cena que me marcou. Um segurança andava de bicicleta. Em dado momento, ele parou, catou um graveto no chão e o tirou do caminho, para então voltar a pedalar estrada afora.
Foi neste momento que percebi que quase não vejo policiais nas ruas. A exceção foi um bairro com prédios administrativos e diplomáticos, lá sim em todos os cantos havia pessoas em vigília – ainda assim, sem armas na cintura e sem mãos sempre pousadas nelas.
A mesma coisa é verdadeira com relação a sujeira. Tóquio não tem muitas cestas de lixo na rua. Em geral, as pessoas levam o próprio lixo de volta para casa ou põem fora nas kombinis. Com exceção dos lugares mais movimentados, como a área central de Shinjuku ou a cidade-bairro de Shibuya, a limpeza é um elemento sempre presente.
Falando em coisas que são diferentes em relação ao Brasil, essa é a Rua Takeshita, famosa por ser um ponto de concentração de coisas kawaii / fofinhas, um point turístico bastante conhecido mundo afora.
Para quem é de São Paulo, o movimento é muito similar à 25 de Março, com algumas diferenças marcantes. A primeira delas é a despreocupação: mochilas nas costas, carteiras no bolso de trás e celulares na mão; por todos os lados, as pessoas seguem existindo sem qualquer preocupação com furtos ou roubos. Enquanto eu caminhava abraçado em minha mochila, mapeando todos os olhares e movimentos, a maioria das pessoas parecia nem considerar que aquele fosse um terreno fértil para perder seus bens materiais.
Esse foi o principal elemento que respondi quando me perguntaram sobre o que eu gostaria de levar de volta do Japão para o Brasil: essa sensação de segurança. O tempo inteiro, sinto-me seguro. No meio da multidão? Seguro. De noite, de madrugada, sozinho no rua? Seguro. Beco escuro? Seguro.
A segunda diferença marcante entre a Rua Takeshita e a 25 de Março é a sonoridade. Não havia percebido isso até agora, quando comecei a escrever esse texto, mas mesmo nesses locais movimentados o barulho é menor. Ainda tem gente tentando chamar atenção e ainda há gritos aqui e ali, mas o berro não é a norma. Creio que isso é algo que eu também gostaria de levar para o Brasil…
Dando continuidade às contraposições japonesas, ao lado da rua movimentadíssima temos o Parque Yoyogi, onde há um templo enorme. É uma baita atração turística, sem dúvida, porém também é um local de respiro e meditação. Na minha cabeça, o Yoyogi tem sido o meu Ibirapuera, com direito até a piquenique.
E já que estou falando em turismo, deixa eu comentar sobre máscaras. Todo mundo usa máscara na rua, algo que é um reflexo direto do coronavírus. No Japão as pessoas sempre usaram máscaras quando estavam doentes a fim de evitar contaminar os outros, mas agora ainda é norma o uso de máscaras, especialmente em lugares fechados. Quando vejo alguém sem máscara, nove em cada dez vezes é um turista.
A ideia de conformidade social e de não incomodar os outros é muito forte aqui no Japão. Embora isso às vezes se choque com minhas perspectivas pessoais de respeito à individualidade e às diferenças, confesso que às vezes olho para os turistas sem máscara e me sobe uma indignação frente à ousadia deles.
(Inclusive, talvez seja hora de pesquisar de novo sobre por onde andamos em relação ao covid e uso de máscaras ao redor do mundo…)
Apesar de ser uma cidade com muitos carros por todos os lados, a minha sensação é de que Tóquio é uma cidade que funciona para os pedestres. Nas ruelas, os carros vão passar super devagar se tiver qualquer pessoa caminhando. Se não houver uma sinaleira, as pessoas atravessam na faixa de segurança sem medo. Se houver sinaleira, as pessoas não atravessam até que o sinal esteja verde, mesmo que não tenha carros. Os sistemas de organização do tráfego funcionam e em sua maioria são respeitados.
Algumas vezes já me peguei olhando para as pessoas que atravessam fora da hora e pensando no quanto são desrespeitosas. Logo eu, que sempre achei que faz sentido mesmo atravessar no vermelho se não há ninguém vindo. Ao que parece, a cultura no entorno realmente impacta minhas experiências e percepções pessoais.
Vou encerrar a mensagem de hoje com esse registro bonito da entrada do meu apartamento. É essa a minha visão todos os dias ao sair de casa. Depois dos primeiros dias de chuva, o céu azul se mostrou e desde então Tóquio tem sido uma cidade marcada por um frio seco bem gostosinho.
Nas próximas cartas digitais, pretendo mostrar mais imagens e contar um pouco mais do que estou experimentando por aqui. Quero também tratar de alguns temas que me pediram: vida cultural, preços e rotinas. Caso tu tenha perguntas ou comentários, vou adorar conversar a respeito, até para observar as coisas de outra forma mais atenta.
Com carinho,
Tales
Tales, que delícia de post! Me senti viajando por alguns minutos... Sou suspeita para falar, pois amo fotografias e registrar minhas experiências e pensamentos em diários (acho que seria legal vc fazer algo do tipo! É interessante reler seus escritos depois de um tempo, a gente esquece muito!!). Estou planejando viajar para o Japão com amigos e ler sobre o dia a dia só está sendo muito bacana! Suas news São muito acolhedoras e me fazem pensar... Gosto muito! :)