Estou de férias na escola de japonês. Fiz planos mil, mas falhei em considerar o tamanho da vontade de simplesmente ficar quieto no meu canto, fugir do frio e dormir. Apesar disso, a vida continua acontecendo e a carta digital de hoje é sobre isso.
Férias
“O que vai fazer nas férias?”, as pessoas me perguntam. Estou no Japão, então a resposta esperada é o nome de algum lugar que eu planeje visitar, de preferência com muitas fotos e vídeos nas redes sociais. Ocorre que não pensei em nenhuma viagem para fazer, tanto porque custa dinheiro e estou manejando meus gastos com cuidado, quanto porque não vejo graça em viajar sozinho.
Cheguei a essa conclusão em um dos primeiros encontros com meu mais recente ex-namorado. Falávamos sobre viagens e lugares e atrações e experiências, e aí ficou claro para mim que o que me instiga na vida é a conexão com outros humaninhos. Prefiro mil vezes acompanhar um grupo de pessoas no barzinho de bairro e participar dessa cotidianidade do que ir até a estátua da liberdade.
Sim, vou a museus e caminho e me interesso pelas coisas, mas me interesso muito mais pelas pessoas.
Ex-namorados
Não gosto de chamar pessoas de ex-namorados. Já namorei um punhado de gente, monogâmico serial compulsivo que fui e pessoa carente que sou, e quando a relação de namoro termina, minha esperança muitas vezes é que possa nascer uma amizade. Nesse caso, a pessoa deixa de ser ex-namorado e passa a ser amigo.
Essa coisa de nomear as relações é muito complicada. Certos estão os anarquistas relacionais, que elaboram suas relações uma a uma sem necessariamente se prender a nomes e rótulos.
Entretanto, nem sempre ex-namorado vira amigo. Às vezes a relação não tem mais vitalidade ou interesse suficiente para sobreviver ao término.
Curiosidade
Sempre falo de curiosidade, criatividade e espontaneidade como marcadores de saúde. Fiquei pensando no quanto é importante que esses marcadores surjam por conta própria, sinalizando saúde relacional, mas também me peguei pensando sobre o quanto esses elementos podem ser intencionais.
Na comunicação não-violenta (CNV), a gente fala sobre escuta atenta, que nada mais é do que escutar a outra pessoa tentando compreender quais são as necessidades por trás do que está sendo falado. Na CNV, diz-se que toda fala é um pedido de apoio ou um agradecimento, e a escuta atenta funciona como uma ferramenta importante para elaborar conexões pautadas no respeito e na compreensão.
Na CNV a gente também fala sobre autonomia e sobre oferecer aos outros aquilo que a gente quer oferecer, não o que acha que deve, então ninguém precisa escutar atentamente se não estiver a fim.
Isso dito, a curiosidade em compreender o outro às vezes pode não surgir de forma espontânea e, ainda assim, ser algo que quero praticar.
Fatias de vida
A
publicou um texto apontando para várias newsletters que escrevem no gênero slice of life. Recomendo dar uma olhada.Sorte e bilhetes de trem
Tem horas que não sei como cheguei vivo aos meus 37 anos. É muita sorte, só pode.
Fui buscar um amigo no aeroporto de Narita, que fica a uma hora e meia de onde moro. Pesquisei no Google Maps, achei uma rota e saí de casa. No caminho, descobri que a rota que eu estava fazendo envolvia comprar um ingresso antecipado. Suei frio, descobri que outras rotas me fariam chegar muito atrasado, engoli o choro e comprei meu bilhete.
O bilhete chegou no meu email sem nenhum código que eu pudesse apresentar nas catracas. Cheguei na estação e tinha seis minutos para descobrir como entrar no trem. Olhei para a longa fila de pessoas esperando para serem atendidas por humanos na hora de comprar o bilhete na estação, não haveria tempo. Corri para as máquinas automáticas, na esperança de converter meu e-mail em um bilhete de papel que me permitisse vencer os obstáculos. Impulsionado pela pressa, acabei comprando um bilhete novo.
Passei pelas catracas e desci para o trem. Três minutos para a partida. Em nenhum lugar no meu bilhete de papel havia qualquer referência sobre qual era o meu assento, mas as placas ao meu redor faziam questão de reiterar que aquele era um trem com assentos reservados. Abordei um par de pessoas aleatórias, mostrei o bilhete e perguntei se eles sabiam onde eu deveria embarcar. “Esse bilhete que você comprou é para o metrô, não para esse trem.”
Saí correndo, parei, pensei de novo. Abri meu e-mail, o bilhete tinha um carro e assento. Dois minutos. Enquanto procurava em qual carro do trem eu deveria entrar, avistei uma funcionária da estação. Mostrei o bilhete e perguntei se aquele era o trem correto. Ela assentiu e mandou eu correr. Menos de um minuto. Pulei para dentro do trem e logo fecharam as portas. Achei meu assento com o trem já em movimento.
Nas duas estação seguintes, suei frio a cada novo passageiro, achando que alguém teria um bilhete para o meu assento e que uma confusão se instalaria. Nada disso aconteceu.
Ao chegar na estação do aeroporto, decidi usar o bilhete de papel para sair da estação (no Japão, a gente usa o bilhete/cartão de trem e metrô tanto na entrada quanto na saída). Deu erro. A funcionária da estação mandou eu pagar o ajuste na máquina. Pensei comigo que já ia pagar a passagem pela terceira vez…
Acabou que foi relativamente barato, e enfim consegui encontrar meu amigo.
Quando estávamos caminhando rumo à estação para virmos a Tóquio, uma moça nos abordou e perguntou se estávamos indo para Tóquio. Ela nos deu dois bilhetes de metrô válidos para as próximas 24 horas. Agradecemos e seguimos nosso caminho. Sorte.
Cortar o cabelo
Fui cortar o cabelo. Desde criança tenho uma relação super delicada com meu cabelo, então encontrar alguém novo para me prestar esse serviço é algo que mexe comigo bastante. Eventualmente, encontrei um salão que se apresenta como especializado em cabelos cacheados e marquei uma consulta.
Tem ventado muito em Tóquio, muito mesmo, e bem forte. Além dos cuidados normais com o cabelo (shampoo para cacheados, mousse para ondulados e secador de cabelo com difusor), venho usando laquê para manter o cabelo no lugar. Embora prefira meu cabelo mais solto e leve, essa tem sido minha escolha para mantê-lo organizado.
Para ir cortar o cabelo, porém, achei que faria sentido não passar laquê. Afinal, isso só criaria mais trabalho para o profissional. Foi um dos dias que ventou com mais força nas últimas semanas. Cheguei lá parecendo um troll do Toy Story.
Músicas queridas
O Spotify colocou numa lista de recomendações a música Challengers, da banda The New Pornographers. No passado, ouvi incessantemente o álbum com o mesmo nome da música, mas em algum momento dos últimos anos esqueci da banda e das canções.
Minha relação com música é assim. Não me preocupo em manter um catálogo sempre atualizado das músicas e bandas que gosto porque sei que, de alguma forma, elas encontrarão seu caminho de volta para mim em algum momento da vida.
A música:
Imaginar além do capitalismo
A
escreveu sobre o capitalismo e a importância de imaginar outras configurações econômicas e sociais que o superem, num texto bem delícia para refletir sobre o mundo em que vivemos. Além disso, ela anunciou uma nova oficina de escrita voltada para newsletters. Se quiser saber como foi participar de uma outra oficina com ela, escrevi no texto A escrita como arte. Resumo para apressados: foi valioso!A escrita como um exercício de atenção
A
publicou um texto (em inglês) com oito dicas para escritores. Gostei muito desse parágrafo sobre escrita ser uma forma de atenção:Writing is a method of paying attention to the experience of being alive. More than just putting words on the page, it is about engaging with the world in an attuned, open, and curious way. Whether it’s writing essays, painting, dancing, or cooking — it’s all variations of the same act: A way to show your work as you figure out how to be alive.
Em tradução livre, fica mais ou menos assim:
Escrever é um método de prestar atenção na experiência de estar vivo. Mais do que apenas colocar palavras no papel, é sobre interagir com o mundo de um modo sintonizado, aberto e curioso. Seja escrevendo ensaios, pintando, dançando ou cozinhando – são todas variações do mesmo ato: uma forma de mostrar seu trabalho enquanto você busca entender como estar vivo.
Hoje tem Story Jam
Hoje de noite (sábado, 23 de março de 2024) às 17h vai começar o quarto Story Jam no grupo do Telegram do Ninho de Escritores. É um desafio que convida as participantes a escreverem um conto em até 24 horas, do início ao fim.
Se te interessar, basta entrar no grupo.
Não vai ter bolo, mas estou planejando um convite-recompensa para quem conseguir concluir o texto dentro das regras.
Vamos conversar 🦊
O que tu gosta de fazer quando viaja a turismo?
Vale a pena ser amigo de ex-namorado?
Qual música sempre dá um jeito de te encontrar?
Com carinho,
Tales
Nunca viajei fora do Brasil mas acho que eu andaria pelas ruas, vale apena ser amigo do ex (inclusive eu e meu ex somos amigos), serenata existencialista e super recomendo escutar. Uma curiosidade, se você pudesse fazer de novo como se fosse a primeira vez em algo que você fez na sua viagem, seja, ir para algum lugar ou uma atividade, o que você faria?