Bom dia!
E boas-vindas a quem está chegando agora por aqui! O Olhar de Raposa é um espaço para pensar a vida a partir de uma lente mais livre e leve, lúcida e honesta, compassiva, conectada e corajosa (explico um pouco sobre isso neste texto).
Quem escreve na internet tem permissão garantida para, pelo menos uma vez a cada dois ou três meses, escrever sobre não conseguir escrever. Semana passada quase fiz isso, porém optei por compartilhar um punhado de referências queridas.
Ainda assim, fiquei pensando no que estava me impedindo de produzir minha carta digital da semana.
Veja bem, trabalhei nos últimos nove anos acolhendo e apoiando pessoas que querem escrever por meio do Ninho de Escritores. Nesse período, aprendi muitas coisas sobre a experiência de incluir a escrita na vida, incluindo técnicas para desbloquear a criatividade.
Por isso, semana passada, quando sentei para escrever e, além da página, estava também com o cérebro em branco, fiquei preocupado. Não conseguia lembrar nada relevante que vivi na semana e que pudesse virar uma reflexão digna de ser compartilhada no Olhar de Raposa.
Nos anos de Ninho, uma dificuldade recorrente de quem quer escrever sempre foi encontrar sobre o que escrever. Há quem acredite que não é criativo, mas não gosto dessa explicação. Todo mundo é criativo, essa é uma característica humana que vem de fábrica. O que falta, me parece, é uma mistura de atenção e curiosidade – ao que acontece ao nosso redor e também dentro de nós – com condições propícias de temperatura e pressão (porque as normais não estão ajudando, dado que vivemos sob o manto do capitalismo).
Ao redor de nós há infinitas coisas acontecendo o tempo inteiro, sempre. Um minuto já deve ser suficiente para encher bibliotecas com tudo o que acontece, dos nossos sentimentos às ideias às dúvidas às crueldades às delícias e belezas. Se olho para a vida consciente do tanto que não sei, pronto, tenho material quase infinito para investigar, brincar e criar. Um exercício que eu gostava de propor no Ninho era escrevermos sobre a mesma coisa, de novo e outra vez, porém explorando ângulos e formas de olhar distintas. Nunca tivemos dois textos parecidos.
Dentro de nós, carregamos uma complexidade de histórias, discursos e vozes que nos compõem e nos bagunçam. Prestar atenção em quem nós estamos com curiosidade amorosa já costuma ser o bastante para encontrarmos um universo infindável de possibilidades a serem transformadas em escrita, desenho, dança, música.
Entretanto, atenção e memória custam energia. Depois de 40, 50, 60 horas de trabalho na semana, não é de espantar que nosso suco criativo esteja ralo e insosso. Nota importante: trabalho não é somente aquilo que nos paga um salário, é também o voluntário, é também cuidar das crianças, fazer comida, arrumar a casa etc. Tudo o que fazemos custa energia e tempo e o estoque de ambos é limitado.
Semana passada, quando sentei para escrever, eu estava cansado. Entretanto, sei que quero continuar escrevendo e preciso reconhecer que o cansaço será um elemento contínuo.
Um dos aprendizados mais importantes do Ninho é o de se preparar para os momentos de baixa. É muito fácil planejar uma vida ideal – vou escrever oito horas por dia ao som de pássaros melodiosos e inspiradores enquanto o mundo respeita meu espaço pessoal e me nutre de experiências intensas que não me interrompem os planos –, mas a verdade é que a vida não obedece nossos caprichos (a não ser que tenhamos dinheiro para comprar garantias extras, e às vezes nem assim).
No meu caso, esse preparo está vindo na forma de anotações ao longo dos dias: coisas que estou fazendo, pensando e sentindo, sem forma nem organização, apenas um depósito de coisas que me ocorreram ao longo dos dias. Daí, quando chega a hora de escrever, se o cansaço nocautear minha memória, posso encontrar em minhas notas algo que seja digno de colocar no papel (ou na tela) – isso se já não estiver desenvolvendo alguma ideia ao longo dos dias.
Se não consigo dispor da minha memória e atenção por inteiro na hora em que tenho disponível para sentar e escrever, vou então distribuir essa disposição pelos momentos que tenho e, assim, seguir criando.
Ontem, enquanto tomava banho, percebi que não fiz anotações por dois dias seguidos. Estava refletindo sobre um desentendimento recente com uma pessoa querida e pensei em anotar algumas coisas a respeito. Quando abri o aplicativo que estou utilizando para fazer minhas notas, percebi os dois dias sem notas. Ou seja: não basta ter as ferramentas, é preciso também colocá-las em prática na vida.
Aliás, não basta cultivar modos de preservar energia na hora de criar. Sem um olhar lúcido (para não dizer realista) sobre nossas condições de vida atuais, as chances de conseguirmos criar com a qualidade e constância desejadas ficam bem reduzidas. Essas condições, inclusive, não são apenas individuais – muito pelo contrário, se quisermos um mundo em que tenhamos o tempo e as condições adequadas para levar uma vida criativa, essa é uma luta e uma construção coletiva.
Eu havia programado essa carta digital para ser enviada hoje às 7h, mas acordei cedo e cancelei o envio. Não estava feliz com o resultado do texto, então decidi editar mais. Enviarei assim que concluir as edições, mas não pude deixar de achar graça que estou falando em condições de produção num momento em que tenho duas gatas sentadas nas minhas pernas. Uma delas inclusive cabeceou meu computador até que eu abrisse espaço para que ela sentasse nas minhas coxas (enquanto a outra está no vão entre minhas canelas).
Cruzei com uma tirinha maravilhosa essa semana e quis trazer para cá.
Tradução minha: Quando comecei a fazer jiujitsu, várias coisas eram assustadoras. “OK, agora vamos ser altamente coordenados e ficar de cabeça pra baixo sem quebrar nossos pescoços!”. Nesses momentos eu costumava me lembrar: “Estou aqui para praticar paciência e precisão”. Em algum momento isso passou a se derramar para o resto da minha vida. “Você é uma %#@¨#%!!!”. “Acho que estou aqui para praticar paciência e precisão também!”. De certa forma, sinto como se progresso é sempre uma ilusão. Todos nós temos altos e baixos que vão em ciclos infinitos, mas algumas formas de progresso são merecidos e estou orgulhosa de onde estou agora.
Gosto muito de mantras e frases de efeito (vide a proposta do Olhar de Raposa sobre olhar para a vida de uma forma mais livre e leve, lúcida e honesta, compassiva, conectada e corajosa) e achei essa noção de “estou aqui para praticar paciência e precisão” muito bem-vinda para compor meu leque de lembretes sobre como viver melhor.
Ao que parece, não fui o único nesses últimos dias a pensar e escrever sobre esse cansaço e dificuldade de escrever. A
vai tirar um tempo de férias e descreveu bem o que a motivou a isso:Não exatamente sobre parar de escrever, mas muito sobre encontrar um ritmo dentro da própria vida e reconhecer seus tempos e espaços, gostei desse texto da
Apesar de trabalhar com redes sociais e comunidades online, confesso que ainda não fui dar uma olhada no Threads, a nova rede social do Zuke. O Substack (plataforma por onde mando essas cartas digitais) me sugeriu um texto da
que conta um pouco mais sobre essa rede e achei bacana compartilhar.Esses dias estava conversando com uma amiga – entre outras coisas, sobre como ela, que me conhece pessoalmente, acha divertido reconhecer as pessoas que cito aqui no Olhar de Raposa, já que geralmente não referencio ninguém pelo nome (com exceção notória para meu parceiro-namorado Ayrton e o pseudônimo que adotei para o Draco). Ela vai começar um curso para instrutores de ioga, pois quer se aprofundar na filosofia da prática, e aí cruzei com esse texto da
Mas calma lá, não era de ioga que eu queria falar.
Esses dias estava conversando com uma amiga (que vai se reconhecer aqui) sobre ambos termos vontade de escrever e publicar em inglês. Carrego essa vontade há anos, primeiro como uma vontade de alcançar mais pessoas, vender meus cursos e ganhar dinheiros em dólar, mas cada vez mais também como uma forma de escrever e me comunicar com as pessoas que fui conhecendo ao redor do planeta, especialmente depois de morar no Japão e de planejar meu retorno (definitivo?) para lá.
Nessa semana, a ideia voltou com mais força, desta vez com um nome possível e, junto com ele, uma noção do que eu poderia escrever a respeito. Não quero simplesmente traduzir o Olhar de Raposa, quero também explorar outros interesses e outras formas de me expressar e me construir.
Sobre isso de se explorar e expressar em outras línguas, gosto desse texto da
Entretanto, acabei de escrever uma carta digital justamente sobre reconhecer as condições possíveis de produção criativa. Quero ir com calma, em vez de me jogar nessa ideia nova, por mais sedutora que ela pareça. Se eu encontrar não apenas a vontade, mas também as condições de transformar essa vontade em algo concreto, incluindo tempo na semana ou no mês para escrever sem prejudicar a produção do Olhar de Raposa, em breve terei novidades a esse respeito.
Se não, seguirei cultivando essa vontade para o dia em que eu tenha espaço na vida.
Obrigado pela companhia até aqui!
Com carinho,
Tales
Senti como se estivesse escrevendo para mim. Obrigada pela menção. ❤️😘
Gostei de ler sobre as suas colocações do dilema da criatividade, dos espaços, da rotina, de ser quem escreve. Acho que para escritores, a vida é uma eterna inspiração. A gente vive de provocá-la para ter de volta a obra. Obrigada pela citação da minha news, Tales. Que feliz que tocou aí. ❤️