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🦊 Onde está o tempo para escrever?
Pensar sobre a própria escrita é pensar sobre a própria vida
Nos últimos quatro anos, tenho trabalhado como gerente de projetos em uma empresa de engajamento digital com sede nos Estados Unidos. Não falo muito sobre esse trampo, em parte porque assinei um contrato de confidencialidade que restringe o tipo de informação que posso compartilhar, em parte porque é algo que faço apenas para financiar a vida que quero viver.
Como gerente de projetos, tenho um número de horas semanais dedicadas a cada um deles e realizo minhas tarefas dentro desse período estabelecido. Por conta do dinamismo dos afazeres, nem sempre há uma divisão clara entre o tempo que dedico a um projeto ou a outro. Não é incomum, por exemplo, que eu esteja fazendo um relatório para o Projeto A e seja interrompido por alguma demanda do cliente do Projeto B. Ao final do dia ou da semana, torna-se confuso reconhecer quantas horas dediquei para quais projetos e tarefas.
Com isso em mente, passei a fazer um registro pessoal do tempo que dedico a cada tarefa durante meu horário de trabalho, incluindo as pausas e interrupções significativas. Esse registro me ajuda a perceber quais tarefas e quais projetos estão recebendo mais atenção, quais dias são mais ocupados que outros, além de facilitar a identificação de oportunidades de aprimoramento, e utilizo essas informações para fazer decisões melhor informadas.

No passado, fiz algo parecido com minha escrita. Estava buscando formas de analisar minha produção criativa, então passei a anotar em um diário alguns dados que considerei essenciais para aprender sobre o meu processo:
horário de início
horário de término
tempo total de escrita
número de palavras escritas
anotações sobre ambiente (tinha pessoas? barulho? música?)
anotações sobre o texto (o que escrevi?)
anotações sobre a produção (gostei do resultado? foi fácil? tinha dificuldade em achar as palavras?)
Essas anotações me permitiram entender alguns aspectos da minha escrita, incluindo minha velocidade média e como ela variava dependendo de fatores diversos. Se estava empolgado com a escrita de uma cena, minha velocidade aumentava, assim como minha felicidade em relação ao resultado. Se estava cansado ou incomodado com algo externo, velocidade e qualidade diminuíam. Também descobri outras coisas. Não gosto de escrever em público porque me distraio fácil. Músicas sem letra me apoiam na escrita; músicas cujas palavras consigo entender também me distraem. Escrever à mão é mais lento que no computador ou celular, porém as palavras saem com mais intenção (porque tenho mais tempo entre pensar e escrever).
Voltei a pensar sobre o tempo da escrita depois do curso sobre o qual contei semana passada. Incentivado a pensar a produção criativa por uma perspectiva de melhoria contínua, resolvi observar o espaço e o tempo que tenho aberto na vida para escrever meus textos aqui para o Olhar de Raposa.
Uma das dicas do curso foi planejar uma agenda de publicação, algo que nunca fiz apesar de escrever para internet há mais de uma década. Por muitos anos, tive tempo disponível para escrever e editar meus textos sem que isso prejudicasse demais minhas outras atividades na semana. Entretanto, especialmente nos últimos anos, meu tempo disponível começou a ficar mais disputado – e junto com ele, minha energia.
Depois de um dia longo de trabalho, normalmente me resta pouca disposição para ser criativo. Ou às vezes quero fazer outras coisas, sair de perto do computador, encontrar humanos, observar cachorros no parque, exercitar o esqueleto… Além disso, o tempo da escrita não está reduzido ao tempo de sentar e escrever. Há o tempo do pensar, há o momento de editar, há o período de maturação entre haver colocado as palavras no papel e estar pronto para avaliá-las com criticidade e compaixão.
Na escrita do Olhar de Raposa, especificamente, há o tempo entre escrever uma primeira versão do texto, compreender o que e como quero dizer, depois reescrever até ficar suficientemente contente com o resultado. Ou desistir no meio do caminho para concluir o texto da semana do jeito que foi possível com os recursos que consegui dedicar daquela vez.
Escrever nunca é só escrever.
No livro O design da sua vida, Bill Burnett e Dave Evans apresentam uma ferramenta que considero fabulosa: um diário no qual anotamos as coisas que fizemos ao longo do dia e registramos nosso nível de engajamento durante a atividade e de energia ao final dela.
Gosto desse diário porque ele pode ajudar a perceber coisas fáceis de escapar. Por exemplo: pode ser que algo que me motiva e interessa também me canse mais do que outras atividades para as quais dedico menos atenção. Escrever é uma atividade que me envolve e que não consome tanta energia, enquanto trabalho às vezes é muito pouco envolvente e, ainda assim, desgasta.
O diário é apresentado como uma ferramenta cujo propósito é ajudar a ganhar consciência e clareza sobre como estamos vivendo nossos dias. Afinal, nossas 24 horas diárias já estão ocupadas com aquilo que já estamos fazendo. Parece óbvio, mas é fácil esquecer que não existe “tempo livre” – estamos sempre fazendo alguma coisa, mesmo que seja “nada”.
Idealmente, ao reconhecer o que está me consumindo mais energia ou por quais atividades estou menos envolvido, posso fazer decisões lúcidas sobre o que mudar.
Nota: essa é uma perspectiva bastante individualista sobre cuidado com o próprio tempo. Muito do que somos capazes de viver e fazer não depende apenas de nós, já que estamos mergulhados num contexto social específico que requer de nós muitas coisas que com frequência não são exatamente aquelas que nos fornecem mais energia ou com as quais estamos mais engajados, mas são coisas que mantêm nossa vida acontecendo – trabalho sendo uma das principais. Num mundo perfeito, coletivamente enquanto sociedades humanas nós abriríamos tempo e espaço para que todas as pessoas pudessem explorar sua criatividade tanto quanto quisessem. Entretanto, infelizmente a maioria de nós ainda não está nesse mundo – o que é mais uma razão para cultivarmos ambientes e rotinas que cuidem de nós.
Para tratar a escrita como arte, preciso fazer escolhas que cuidem do tempo necessário para que a criação aconteça. Entretanto, não adianta apenas querer abrir espaço na vida para que a escrita – ou qualquer outra coisa que eu queira fazer – comece a acontecer.
Se quero dedicar mais tempo para a escrita, preciso me perguntar para o que dedicarei menos tempo a partir de hoje. Tempo e energia são escassos. Quando me pergunto onde está o tempo para escrever, estou me perguntando qual é a vida que quero (e posso) viver, quais são as minhas prioridades, quais são as coisas das quais prefiro abrir mão.
Pensar sobre a própria escrita é pensar sobre a própria vida.
A verdade é que sei que quero escrever, mas não sei o quanto quero escrever. Ando pensando sobre isso recentemente: o que eu quero para ter “uma boa vida”? E o quanto de cada coisa que quero cabe na vida? Quero escrever todos os dias o dia todo? Já sei que não, mas entre escrever um texto por semana aqui para o Olhar de Raposa e largar o emprego para me dedicar exclusivamente à escrita há um universo de possibilidades.
Por trás da pergunta sobre o tempo que quero (e posso) dedicar à escrita está um entendimento sobre o que quero viver ou deixar de viver. Há várias coisas pedindo minha atenção neste momento – algo que será verdade pelo resto da vida, não duvido.
Hoje não tenho resposta.
Será que alguém tem?
Para olhar por aí 🦊
Já que o tema da semana foi sobre pensar a vida que queremos e podemos ter, separei três textos que li recentemente para compartilhar:
Além desses textos, quero compartilhar também uma web série chamada Poly Couple, sobre as experiências de vida de um casal poliamoroso. É em inglês, mas se for um idioma que tu entende, sugiro assistir porque é bem legal:
Giro da raposa
Ando vivendo uns dias legais por aqui, então resolvi compartilhar algumas coisas brevemente.
Fiz uma aula experimental de pole dance. Gostei e pretendo começar a treinar, inicialmente duas vezes por semana. Nunca me achei sensual e penso que me falta consciência corporal, então essa pode ser uma oportunidade para explorar esse lado da vida.
A escola para a qual me inscrevi enviou meus documentos para o governo japonês. Eles devem responder no dia 2 de novembro. Tenho receio que me recusem porque exigem taxa de presença de 90% no curso anterior e eu tive apenas 89,2%, razão pela qual três escolas já me recusaram.
Encontrei um amigo recentemente e conversamos sobre mil coisas, inclusive sobre o fato de que quando nos conhecemos houve química e interesse de explorar nossa conexão mais intimamente – ainda que não soubéssemos na época que era mútuo. Como eu estava em um relacionamento monogâmico, não houve espaço para isso. Foi um pouco melancólico, mas celebrei que a vida que tenho hoje me permite explorar as relações conforme elas se apresentam na vida.
Muito obrigado pela companhia e leitura!
Com carinho,
Tales 🦊
🦊 Onde está o tempo para escrever?
Tempo para escrever, e tempo para ler! Voltando a te ler hoje :)
Super interessante seus pontos, e mesmo a criatividade anda lado a lado com a displina. Trabalhando muito disciplina por aqui, um desafio para mim.
Abração querido!
Me identifiquei com seus registros que lhe permitiram entender mais da própria escrita. Aliás, gostei da perspectiva individualista que você trouxe para a prática de diários/journaling.
Corri pro grupo da oficina que fizemos com a Vanessa pra falar com você, mas você não tá lá! Poxa haha vou mandar por aqui então umas perguntas que vieram a minha cabeça:
Como é para você a prática de escrever em outras línguas, como inglês e japonês? Não falo somente do escrever como comunicação, mas como projeto de escrita mesmo, como a newsletter. Quais são as principais diferenças e obstáculos que você percebe da etapa de idealização até a publicação?