A pergunta que tenho mais dificuldade para responder hoje é: por que você estuda japonês? Desde o início, lá em 2018, precisei rebolar para encontrar respostas que soassem adequadas.
Porque me desafia? Porque me diverte? Porque me relaciono com pessoas japonesas? Porque assisti animes desde criança e gostaria de entendê-los sem legenda?
Todas essas respostas são verdadeiras em alguma medida, porém não são definitivas. Não há uma resposta definitiva para essa pergunta além de porque sim.
Astrologia, religião, filosofia, psicanálise, para nem falar ainda em ciência… A quantidade de saberes que inventamos para encontrar explicações para quem somos e o que fazemos é gigantesca. Penso que isso aponta para uma certa necessidade de fazer sentido, de perceber-se rumando para uma direção específica.
Flanar é assustador.
Do dicionário Oxford, flanar significa “andar ociosamente, sem rumo nem sentido certo; flanear, flainar, perambular.”
Eis que estou aqui no Japão flanando.
Às vezes observo coisas e as registro em fotos (como enviei em duas cartas digitais recentemente, aqui e ali). Às vezes anoto pensamentos para mim mesmo, livres das pressões da partilha.
E às vezes fico pensando que eu deveria fazer mais com tudo isso. Escrever um livro sobre a experiência de vir, registrar tudo e compartilhar com todas, organizar encontros para escritores internacionais nessas terras, fazer planos para o que vai acontecer no futuro (should I stay or should I go?)…
Tem muita coisa que passa pela cabeça e fica no caminho de simplesmente existir e flanar, né?
Acho que está na minha própria cabeça a voz que tanto pergunta qual é a razão disso tudo. O que vou fazer com isso, como se pra existir a gente precisasse de um motivo. A gente simplesmente existe e faz coisas com isso. Ou às vezes faz nada e também está tudo bem.
Essa fome de precisar fazer fazer fazer, sei bem de onde vem: é um imperativo capitalista me requisitando produtividade. Sempre fui bom aluno, corpo dócil em sala de aula, e aprendi direitinho as minhas lições sobre manter as engrenagens girando.
Frente a essa fome, me ajuda praticar autocompaixão.
Reconhecer, respirar, sentir, deixar ir.
Estou estudando japonês e vivendo no Japão, neste momento, porque sim. Porque posso, porque quero, porque estou encontrando aqui experiências que têm me trazido alegria.
Minhas definições de “isso é amor” foram atualizadas
Já falei sobre meu relacionamento com o Ayrton em outra carta digital. Enquanto estou no Japão, ele segue vivendo no Brasil. Conversamos todos os dias por mensagens de texto, às vezes nos ligamos, talvez ele venha a Tóquio me visitar no final de março, é assim que tem seguido a nossa vida.
Conversando com ele recentemente, comentei que estou pensando em estender o tempo da minha viagem, dos seis meses atuais para um ano, a fim de aproveitar mais desse estar aqui que provavelmente no futuro será difícil de repetir com a frequência e constância que eu gostaria. Comentei também que estava pensando nisso porque, apesar de uma parte minha querer, não considero de fato a possibilidade de ficar aqui para sempre.
A resposta dele ainda está ecoando em mim: “Por que não?”.
Tenho uma resposta clara para essa pergunta – porque encontrei e elaboramos uma qualidade de relacionamento que, neste momento da vida, não gostaria de abrir mão, mesmo que isso signifique abdicar de construir um futuro num país no qual me sinto muito mais acolhido do que jamais me senti no Brasil – mas quero destacar a potência dessa pergunta. Ela aponta uma porta que certamente significaria um distanciamento físico contínuo, talvez para o resto da vida, algo muito diferente da perspectiva de passar de seis meses a um ano longe.
Eu me sinto amado porque percebo que minha felicidade e bem-estar são tratados como prioridades em nosso relacionamento.
Isso é amor.
Para olhar por aí 🧐
Uma pequena seleção de afetos:
Maíra Ferreira escreveu sobre nos autorizarmos a nós mesmos em relação àquilo que queremos fazer. Separei para compartilhar por aqui porque conectou muito bem com meu momento atual na vida.
Vinícius Linné escreveu um belo texto sobre como às vezes nossa relação com o viver se torna mais dura conforme adultecemos e a beleza de ver o mundo com a leveza da infância.
Carla Soares trouxe 13 presentes anticapitalistas para oferecer nas festividades deste final de ano. É a Carla, é carinho e é anticapitalismo, preciso dizer algo a mais?
Vanessa Guedes escreveu sobre a relação erótica que existe na escrita, num texto bem saboroso que levanta boas reflexões sobre o prazer da criação.
Se algo nesta carta digital te tocou, agradou ou incomodou, me deixa um comentário? E se ainda não assina, fica aqui o convite:
Com carinho,
Tales
A delicadeza de indicar a listinha carinhosa que fiz 💚 Muito obrigada, Tales
(Eu amo essa ideia de não precisar de motivo além de querer, embora assumir esse querer seja sempre mais difícil do que dou conta. As vezes acho que esses penduricalhos de justificativas são muletas, para me apoiar e me proteger dos julgamentos)