Nesta semana, me senti solitário.
Não é um sentimento novo. Sem esforço, lembro de diversas situações em que me senti solitário, às vezes até incapaz de estabelecer relações sociais duradouras e presentes. Aconteceu durante o ensino médio, aconteceu na faculdade, aconteceu depois do mestrado, continua acontecendo hoje em dia e tenho certeza que, no futuro, acontecerá outras vezes.
Nota: “incapaz de estabelecer relações sociais duradouras e presentes” não é um sentimento. Eu me sinto solitário e essa solidão se apoia nessa narrativa que sussurra em meu ouvido. Os sussurros ganham força e volume quando não estou me sentindo muito bem, como contei em um texto anterior sobre as vozes que habitam em mim. Essa narrativa, que ganha suporte em recortes de realidade, retroalimenta o sentimento, tornando-o mais intenso quanto mais acredito nele.
Contudo, mesmo no meio desse sentimento, sei que ele não é verdade. Pelo menos, não por inteiro, não o tempo todo.
Veja bem, sentimentos são um sistema de alerta. Eles apontam para coisas que por vezes escapam à percepção consciente. Entretanto, nem sempre os sentimentos estão bem calibrados. Sentimentos não são atestados de verdade, pois assim como nossa intuição, se alimentam de experiências anteriores e dos sentidos que construímos a partir delas.
Na quarta-feira, enquanto percebia que não tinha programação nem perspectiva de companhia para o fim do dia, ficou um pouco mais difícil olhar para a vida com compaixão e otimismo. Normalmente não tenho problemas em ficar sozinho, mas uma série de fatores contribuiu para que nesta semana fosse um pouco mais difícil.
Passei dez dias na companhia de Draco, moço que conheci no Japão e que veio me visitar aqui em São Paulo (e sobre o qual já escrevi aqui, aqui, aqui e aqui). Nesse período, dividimos um quarto de hotel, passeamos, conversamos, brigamos, nos entendemos, e ao final senti que nosso relacionamento ganhou uma saúde que me enche de esperança sobre o futuro. Ele embarcou de volta ao Japão na madrugada de sábado para domingo.
Em seguida, na terça-feira de noite, me despedi do Ayrton, meu namorado, que viajou para um congresso em Aracaju junto com colegas da empresa para ficar pelos próximos dias. Essa foi, inclusive, a primeira vez que dormi e acordei sozinho no apartamento dele, onde estou morando desde que voltei do Japão em maio.
Essas duas partidas, somadas ao fim das férias (tirei uma semana do trabalho para poder passear com Draco), ao retorno ao trabalho e à falta de planos sociais, resultaram nos meus sentimentos de insatisfação, tédio e solidão.
Os sentimentos de tédio e solidão não costumam me movimentar. Eles são morosos e pesados. Eles pedem que eu fique parado, conserve energia e me proteja do mundo.
Com o tempo, aprendi que não preciso escutar esses conselhos internos.
Por isso, quando terminei de trabalhar, juntei forças e decidi sair para caminhar. Acredito que movimento faz bem para a cabeça, então fui ao Parque Augusta, aqui pertinho de casa, na esperança de pegar um sol, ver cachorros e pernear um pouco.
Caminhei, sentei para observar o movimento, caminhei um pouco mais, vi cachorros fofos, peguei um pouquinho de sol, e nesse movimento fui decidindo fazer algo em relação à minha solidão. Sentei no parque e escrevi mensagens para diversos amigas aqui de São Paulo. Aos poucos, alguns planos para os próximos dias foram ganhando forma.
Importante viver, amigo.
Essa foi a resposta de um amigo querido quando comentei sobre o que aconteceu após o parque. Fui ao shopping jantar e acabei cruzando olhares com um moço alto e estiloso. Passamos um pelo outro, viramos pescoço, seguimos nos encarando. Ele parou logo adiante, eu parei também. Achei coragem lá do fundo do meu ser e fui até ele. O moço tinha algo na mão e eu não havia reparado, mas cheguei perto e notei que era um controle remoto. Ele apertou o botão. A grade da loja à frente da qual ele havia parado começou a subir. Ele ainda me olhava, eu ainda olhava pra ele. Eu disse oi, ele respondeu. Olhei para a grade subindo, achei que na verdade o moço estava apenas encarando de volta a pessoa que estava ostensivamente olhando para ele, que não era um flerte nem nada, então nem parei – segui adiante cheio de vergonha.
Publiquei esse ocorrido no meu Instagram e várias pessoas sugeriram que eu voltasse ao shopping. Acabarei voltando, já que moro ao lado dele e estou sempre ali, mas dentre os presentes que tive nessa aventura, a frase do meu amigo ficou ecoando em meus pensamentos.
Porque é isso, né? Se me sinto vivendo, a felicidade dos outros deixa de ser um lembrete de como a vida poderia (ou deveria!) ser melhor e passa a ser somente algo para celebrar.
Importante viver, e importante reconhecer que viver não precisa ser numa viagem internacional, de férias e cheio de dinheiro (mas ajuda se for, não vou mentir). Viver está também – ou melhor, está – no dia a dia, no udon que ganhei da sogra na janta e requentei para almoçar, no tédio ao trabalhar, no perceber a solidão e a vontade de mais diversão.
Quando quero lembrar de viver, vou ao parque ver cachorros brincando, entro em contato com pessoas queridas, ponho-me em movimento. Às vezes a solidão e o tédio são resultado de perder-me do presente.
No parque – assim como na escrita – encontro o respiro necessário para dar os próximos passos.
Com carinho,
Tales